Os quatro Fundamentos da Atenção Plena
Fundamentos da Atenção Plena
Por
Ajaan Lee Dhammadharo
(Phra Suddhidhammaransi Gambhiramedhacariya)
(Phra Suddhidhammaransi Gambhiramedhacariya)
Ajaan Lee Dhammadharo (1907 - 1961) foi um eminente monge da Tradição das Florestas da Tailândia. Discípulo de Ajahn Mun, Phra Lee tornou-se um grande divulgador da Tadição das Florestas para a sociedade Tailandesa de modo geral, e embora tenha encontrado resistência ao questionar as superstições que estavam misturadas ao Budismo, sua reputação é até hoje inabalada e seus ensinamento continuam tocando o coração de praticantes até mesmo no ocidente.
Introdução
Este livro sobre os fundamentos da atenção plena está de certa forma baseado nas minhas próprias idéias e opiniões. Em alguns pontos ele pode não estar exatamente de acordo com os textos originais, porque o meu objetivo principal foi de chegar ao cerne da questão de tal forma que possa ser facilmente colocado em prática. Aqueles que se apegam com entusiasmo aos textos podem sentir que aquilo que escrevi está errado, mas, quanto a mim, sinto que qualquer um que seja capaz de praticar, de acordo com aquilo que está escrito aqui, irá notar que isso pode ser tomado como um guia para os verdadeiros princípios de concentração, sabedoria e libertação. Apegar-se aos textos não é errado, mas eles devem ser tomados com inteligência, igual a um remédio: um médico que pensa que a única forma de curar uma febre é bebendo uma mistura de mélia com folhas de quinino, está equivocado. Alguns médicos poderão adicionar folhas de outras árvores; alguns poderão fazer um extrato concentrado; outros poderão variar a dosagem. Da mesma forma, quando se pratica o Dhamma, não ir além do que está nos textos pode em alguns casos ser equivocado. Na verdade, qualquer caminho que conduza ao abandono das contaminações e à libertação do sofrimento é correto. O valor de um remédio encontra-se na sua capacidade de curar a enfermidade; o valor de um método de prática encontra-se na sua capacidade de eliminar as impurezas (da mente). Até onde posso entender, não existe nada de errado com qualquer método que funcione. No final, todos esses métodos têm que seguir os princípios básicos da virtude, concentração e sabedoria, e diferem somente na sua essência mais grosseira ou sofisticada, direta ou indireta, rápida ou lenta.
Agora eu não quero me apresentar como uma autoridade absoluta de nenhum tipo. Portanto, quero que você, leitor, use o seu próprio discernimento. Tome um trecho que julgue ser adequado, como base para a sua prática. Não é necessário seguir todo o livro. Simplesmente, foque num único ponto e isso será suficiente. Uma vez que você tenha domínio sobre um ponto importante, todas as demais seções se organizarão e se conectarão exatamente naquele ponto.
Quando você estiver pronto para meditar, você deve tentar encontrar um lugar calmo, solitário, para ajudá-lo na sua prática dos fundamentos da atenção plena. De outra forma, a sua prática não fluirá com facilidade, porque a solidão é benéfica para todos que buscam o desenvolvimento espiritual. Tal como uma pessoa que quer ver a sua imagem refletida na água, só será capaz de ver a si mesma com clareza quando não houver vento ondulando a superfície, da mesma forma, uma pessoa que deseja a paz que é sutil e profunda tem que se conduzir dessa maneira.
Ou, colocando de outra forma, tem que haver paz e tranqüilidade externa antes que a paz interna possa surgir. Quando ambas as formas de paz estiverem presentes, você conhecerá e verá o Dhamma como ele é na verdade. Portanto, quando você colocar em prática esta forma de meditação, você deve primeiro entoar os seus cantos e homenagear o Buda como de hábito e então começar a meditação. Com certeza você irá obter resultados genuínos de acordo com aquilo que escrevi aqui.
Se existe algo falho ou incorreto neste livro, eu confio na absolvição dos leitores, pois não sou um grande experto no que diz respeito a textos. Eu simplesmente aprendi alguns trechos e os coloquei em prática.
Mais um ponto importante: Esta prática de treinar o coração é muito importante, pois ela forma a fonte de toda bondade e mérito; e tudo aquilo que é fonte de bondade e de mérito merece cuidado e atenção especiais. O coração é um receptáculo para tudo aquilo que é bom. Quando o coração for puro, todas as ações meritórias que sejam praticadas externamente irão verdadeiramente promover a felicidade. O mérito externo é igual a um prato saboroso com curry. Se for servido em uma vasilha imunda, então mesmo que o prato seja delicioso, a pessoa servida não irá querer comer muito devido à imundície. Mas se a vasilha estiver limpa e o prato delicioso, a pessoa irá comer com confiança até que fique plenamente satisfeita. Da mesma forma, se o coração estiver limpo, ele irá se sentir atraído pelas realizações externas meritórias. Ele estará sempre pronto para fazer sacrifícios, porque em todos os casos irá saborear o nutrimento da sua bondade.
Não somente isso, um coração limpo também forma o caminho para a libertação do sofrimento e estresse, conduzindo no final das contas a nibbana. Aqueles que irão realizar os caminhos (magga) e os frutos (phala) que conduzem a nibbana, assim o farão por meio do coração. Se o coração não for treinado, então não importa quanto mérito externo você tenha, você não será capaz de realizar nibbana. Nibbana só pode ser realizado com o treinamento do coração na prática da virtude, concentração e sabedoria. A virtude forma a base para a concentração, a concentração a base para a sabedoria e a sabedoria a base para a libertação. A concentração é particularmente importante porque ela forma a base para a sabedoria e a compreensão direta (ñana), que são os fatores decisivos do caminho. Você não pode prescindir da concentração. Se faltar concentração, você não obterá nada além de pensamentos desordenados e conjecturas, sem nenhum apoio bem fundamentado.
A concentração é como um prego: e a sabedoria, um martelo. Se o prego não for seguro firme e reto, o martelo não irá acertar o golpe todas as vezes e o prego nunca irá penetrar na madeira. Para que o coração penetre o mundo e chegue até o Dhamma mais elevado, ele tem que assumir uma firme posição na concentração de forma a fazer surgir a compreensão. A compreensão somente ocorre naqueles que centram a mente na concentração. Quanto à sabedoria, isso é algo que todos temos, mas se faltar a compreensão direta, nunca superaremos o mundo.
Por essa razão, todos nós devemos nos interessar pelos fatores que formam o caminho, que conduzem à superação do sofrimento, do estresse e ao bem-estar abundante.
Se você tiver dúvidas acerca de qualquer parte deste livro, sinta-se à vontade para perguntar.
Dedico o mérito gerado, pelo ato de escrever este livro, a todos aqueles que se sentiram inspirados em ajudar a pagar os custos de impressão para que ele pudesse ser distribuído gratuitamente como um presente do Dhamma. Que o poder resultante dessa generosidade lhes traga frutos, no sentido de que tudo aquilo a que aspirarem, que for correto e justo, suceda em lhes trazer a felicidade.
Phra Ajaan Lee Dhammadharo
Wat Paa Khlawng Kung
(O Templo de Floresta do Canal dos Camarões)
Chanthaburi, 1948
Fundamentos da Atenção Plena
Uma explicação dos quatro fundamentos da atenção plena que - para aqueles que os colocam em prática - são um meio para obter a libertação das contaminações:
I. Kayanupassana satipatthana: estar plenamente atento em relação ao corpo como um fundamento da atenção plena.
II. Vedananupassana satipatthana: estar plenamente atento em relação às sensações como um fundamento da atenção plena.
III. Cittanupassana satipatthana: estar plenamente atento em relação à mente como um fundamento da atenção plena.
IV. Dhammanupassana satipatthana: estar plenamente atento em relação aos objetos mentais como um fundamento da atenção plena.
Para usar esses quatro fundamentos como um meio para centralizar a mente, você precisa primeiro se familiarizar com as três qualidades descritas a seguir. De outra forma, você não poderá dizer que está firmemente apoiado sobre o seu fundamento. Na verdade, as traduções mencionadas acima são muito limitadas, pois ao lidar com o fundamento da atenção plena, a mera atenção plena não é suficiente. Não sendo suficiente e continuando só com a atenção plena em relação ao corpo, você irá fazer com que surjam apenas sensações de prazer e desprazer, porque a tarefa da atenção plena é simplesmente ficar acompanhando um objeto. Portanto, ao desenvolver os fundamentos da atenção plena, você tem que se familiarizar com todas as suas ferramentas -
Sati: atenção plena; a faculdade de estar acompanhando um objeto .
Sampajañña: plena consciência. Esta tem que estar firmemente estabelecida antes que a atenção plena possa ser enviada para acompanhar um objeto - como o corpo - e depois trazê-la de volta internamente para dirigi-la ao coração.
Atappa: investigação concentrada que analisa o objeto em seus vários aspectos.
Isso pode ser ilustrado da seguinte forma: O corpo é como uma serraria. A mente é como um eixo. A plena consciência é a polia que gira ao redor do eixo em um ponto. Atenção plena é a correia que ata a mente ao seu objeto, não permitindo que ela escape para outros objetos. A investigação concentrada é a lâmina que corta os troncos de madeira em pedaços, de forma que possam ser usados. Essas três qualidades têm sempre que estar presentes para que a sua prática de centrar a mente seja bem sucedida.
Agora discutiremos o trabalho a ser feito, os objetos pelos quais a investigação concentrada, a plena consciência e a atenção plena são responsáveis, cada um de forma separada. São quatro os objetos -
1. O corpo (kaya), que é um conglomerado dos quatro elementos terra, água, fogo e ar.
2. Sensações (vedana): a experiência de sensações, como prazerosas, dolorosas e indiferentes.
3. A mente (citta): que é aquilo que armazena as várias formas do bem e do mal.
4. Objetos Mentais (dhamma): condições que possuem natureza própria, tal como as qualidades hábeis ou inábeis que se mesclam na mente.
Essas, portanto, são as quatro coisas pelas quais você deve se responsabilizar.
I. Corpo
O termo "corpo" aqui se refere aos aglomerados dos quatro elementos, podendo ser, tanto aquele que possui uma consciência que o dirige, como aquele que não mais a possui, mas que ainda é visível pelo olho. Ambos os tipos são chamados de corpos físicos (rupa-kaya). Os corpos físicos podem ser considerados sob três aspectos -
A. O corpo interno: o seu próprio corpo.
B. Corpos externos: os corpos de outras pessoas.
C. O corpo em si mesmo: a ação de focar em um aspecto ou parte do corpo, tal como a respiração, que é um aspecto de um dos quatro elementos. Isso é o que significa o corpo em si mesmo.
O corpo, quer seja interno ou externo, é simplesmente um composto dos quatro elementos. Agora que você conhece as suas tarefas, você deve realizá-las bem. Sampajañña: Mantenha a sua plena consciência onde ela deve estar, exatamente dentro da mente. Você não precisa dirigi-la para nenhum outro lugar. Sati: A sua faculdade de acompanhamento de um objeto tem que ser abrangente. Em outras palavras, dirigindo-a internamente para a mente e em seguida para o objeto - neste caso, o corpo - e depois vigiando a mente e o seu objeto para se assegurar de que eles não se perderão um do outro. Atappa: Focar na investigação do corpo, analisando-o de acordo com os seus vários aspectos. Isso pode ser feito de qualquer uma das cinco formas abaixo:
1. Investigue as 32 partes do corpo, começando com os cabelos na cabeça, pelos do corpo, unhas, dentes, pele, etc. Faça uma inspeção e avaliação completa. Se este método não acalmar a sua mente, continue -
2. Investigue os vários aspectos repulsivos do corpo, começando pelo fato de que o corpo é um conglomerado de todo o tipo de coisas. Em outras palavras, ele é uma tumba, um cemitério nacional, cheio de cadáveres de bois, porcos, patos, frangos, azedos, doces, gordurosos, salgados, reunidos e envelhecidos no estômago, filtrados e destilados na forma de sangue, pus, em decomposição e pútridos, ressumando por todo o corpo e emergindo das suas várias aberturas: este corpo, que todos nós da raça humana cuidamos sem cessar - banhando, esfregando, mascarando o seu odor – continua, apesar disso, exibindo a sua imundície como a cera do ouvido, secreções dos olhos, muco nasal, tártaro dos dentes, descamação da pele e suor, sempre ressumando, imundo em todos os aspectos. O lugar de onde ele vem é imundo, onde ele permanece é imundo (isto é, em um cemitério de cadáveres novos, ou ainda pior - nós provavelmente enterramos centenas de cadáveres diferentes dentro de nós mesmos). Se você olhar para o corpo humano, verá que as suas características não combinam e são incompatíveis. O seu odor é algo realmente ofensivo. Se, olhando para o corpo desta forma, não lhe causar uma sensação de desapego e desinteresse, continue -
3. Investigue a inspiração e a expiração. Quando a inspiração for longa, tenha consciência desse fato. Quando a expiração for longa, tenha consciência dela. Quando você começar a trabalhar com a respiração, comece por mandar a sua atenção para fora junto com a expiração e para dentro com a inspiração. Faça isso duas ou três vezes e depois faça com que a sua atenção se estabeleça no meio - sem deixar que ela siga a respiração para dentro ou para fora - até que a mente se acalme, preste atenção somente na inspiração e expiração. Faça com que a mente fique aberta, relaxada e tranqüila. Você pode estabelecer a sua atenção na ponta do nariz, no palato - se você conseguir mantê-la centralizada no meio do peito, tanto melhor. Mantenha a mente quieta e você a sentirá tranqüila. O discernimento irá surgir; uma luz interna irá aparecer, reduzindo os pensamentos que distraem. Agora observe o comportamento da respiração conforme ela incha e se contrai - inspiração longa e expiração longa, inspiração curta e expiração curta, inspiração curta e expiração longa, inspiração longa e expiração curta, inspiração pesada e expiração leve, inspiração leve e expiração pesada, inspiração leve e expiração leve. Concentre-se na investigação completa desses diferentes modos de respiração, sem deixar que a mente acompanhe a respiração. Faça isso até que surja uma sensação de calma mental. Se, no entanto, este método não acalmá-lo, continue -
4. Investigue os quatro elementos: terra, água, ar e fogo. As partes do corpo que são duras fazem parte do elemento terra. As partes líquidas fazem parte do elemento água. A energia que flui através do corpo faz parte do elemento ar; e o calor do corpo, do elemento fogo. Imagine que você pudesse pegar o elemento terra, e empilhá-lo na sua frente, que você pudesse pegar o elemento água, e empilhá-lo atrás de você, que você pudesse empilhar o elemento ar à sua esquerda, e o elemento fogo à sua direita. Coloque-se no meio e dê uma boa olhada no corpo até que você veja que, quando separado dessa forma, ele desaparece, convertendo-se em nada, em cinzas - o que chamamos de "morte" - e você irá comeeçar a sentir uma sensação de desapego e desinteresse. Se, no entanto, você não vir nenhum resultado aparecendo, continue -
5. Considere o fato de que o corpo, uma vez que nasce, o deixa exposto, em todos os aspectos, aos ataques do envelhecimento, enfermidade e morte. No final, você, com certeza, será arrancado de tudo aquilo que ama e aprecia no mundo. O corpo está todo o tempo mostrando a sua natureza -
Anicca: Ele é impermanente, inconstante, instável, sempre se movendo de forma precária.
Dukkha: É difícil de ser tolerado.
Anatta: Não é você, seu, ou de ninguém mais. Você não o trouxe quando veio e não poderá levá-lo quando se for. Quando você morrer, terá que jogá-lo fora como um pedaço de madeira velha ou algo para ser queimado. Não existe nele absolutamente nada de substância ou de valor.
Quando você considerar as coisas dessa forma, você irá sentir uma sensação de desapego que irá fazer com que a mente fique estável, calma e firmemente centrada em concentração.
Essas cinco atividades são as tarefas da sua investigação concentrada, empenhando-se em ver a verdadeira natureza do corpo. Quanto à atenção plena, ela tem que executar a sua própria tarefa, acompanhando o objeto sob investigação e ao mesmo tempo dirigindo-se à mente. Nada mais. Verifique se você está com a mente naquilo que você está investigando. Isso é a plena consciência. Fique de olho na sua mente, observando-a todo o tempo para ver de que maneira ela pode estar agindo ou reagindo. Mantenha a sua consciência disso sempre no lugar adequado, exatamente no coração.
Todas as atividades mencionadas aqui são aspectos de como tomar o corpo como um fundamento da atenção plena. Quer você esteja lidando com o corpo interno, com corpos externos ou com o corpo em si mesmo, você terá que usar as três qualidades mencionadas acima. Somente quando você as tiver desenvolvido completamente, poderá dizer que está desenvolvendo os grandes fundamentos da atenção plena (maha-satipatthana).
Normalmente, a atenção plena é uma qualidade que todos temos, porém quando lhe falta plena consciência, ela decai para formas incorretas, tornando-se a Atenção Plena Incorreta. Mas, quando você for capaz de seguir os métodos descritos acima, você com certeza irá desenvolver uma estabilidade equânime na mente. Você passará a sentir uma sensação de desapego que irá fazer com que a mente fique tranqüila, calma e despreocupada. Esse é o caminho do insight libertador (vipassana-ñana), que conduz a nibbana, que as pessoas sábias e experientes têm assegurado:
nibbanam paramam sukham
Nibbana é a paz máxima
Aqui termina a discussão sobre como manter o corpo na mente como um fundamento da atenção plena.
II. Sensações
A palavra "sensações" se refere à experiência das sensações que surgem como fruto das ações que foram praticadas ou seja, kamma. Existem três tipos de sensações: sensações internas ou humores, sensações externas e as sensações em si mesmas.
A. As sensações internas, sob o aspecto de como elas são sentidas, são de três tipos -
1. Sukha-vedana: bom humor; alegria; uma sensação despreocupada de tranqüilidade e bem-estar na mente.
2. Dukkha-vedana: mau humor; uma sensação de depressão, tristeza, aborrecimento ou desânimo.
3. Upekkha-vedana: humor neutro, durante os intervalos em que a alegria e a tristeza não estão presentes.
B. As sensações externas também são de três tipos -
1. Somanassa-vedana: prazer ou deleite com os objetos dos seis sentidos - visões, sons, aromas, sabores, sensações tácteis e pensamentos; tornar-se atraído por essas coisas quando elas entram em contato com o coração.
2. Domanassa-vedana: desprazer ou descontentamento que surge do contato com objetos dos sentidos tais como visões, sons, aromas, sabores, etc. e que são percebidos como insatisfatórios ou indesejados.
3. Upekkha-vedana: uma sensação de indiferença ou neutralidade quando se entra em contato com visões, sons, etc.
C. Sensações em si mesmas: Isto se refere à ação de focar em qualquer aspecto individual das sensações mencionadas acima. Em outras palavras, você não precisa ser específico. Sempre que o prazer surgir, por exemplo, coloque a sua mente para investigá-lo. Mantenha-o com firmeza na mente. Vigie de tal forma que ele fique em foco e que você permaneça focado nele. Não permita que o seu fundamento escape e mude - e não permita, de nenhuma forma, que quaisquer expectativas ou desejos surjam naquele momento mental. Daí, use os seus poderes de investigação concentrada para inspecionar a verdade daquela sensação; mantenha a plena consciência para controlar a mente, para ter certeza de que a sua atenção permanecerá no lugar apropriado. Não permita que o fluxo mental que causa o sofrimento surja.
A causa do sofrimento surge inicialmente quando a plena consciência é fraca e a mente vacila. A vacilação é chamada de desejo por não ser (vibhava-tanha). Conforme a agitação vai se fortalecendo, um fluxo mental surge e vai se espalhando. O fluxo que se espalha é o desejo por ser (bhava-tanha). Quando este encontra um pensamento ou objeto sensual e o agarra, a isto se denomina o desejo pela sensualidade (kama-tanha). Por essa razão, você deve vigiar a mente para assegurar que ela permaneça com o seu único objeto, a sua sensação de prazer. Não permita que nenhuma outra preocupação se envolva. Mantenha a sua atenção plena e a plena consciência firmemente nos seus lugares e aí faça uma investigação concentrada acerca da verdade daquela sensação. Somente quando você fizer isso, poderá dizer que está usando as sensações em si mesmas como um fundamento da atenção plena.
Em geral, sempre que um humor ou sensação surge, nós tendemos a fazer com que surjam várias expectativas ou desejos. Por exemplo, quando surge um bom humor, nós queremos que aquela sensação de bem estar permaneça como está ou que se incremente. Esse desejo dá origem ao sofrimento e dessa forma obtemos resultados opostos ao que esperávamos. Algumas vezes um mau humor surge e nós não o queremos e dessa forma batalhamos para encontrar a felicidade e isto simplesmente faz acumular ainda mais sofrimento. Algumas vezes o coração está neutro - nem feliz nem triste, nem satisfeito, nem insatisfeito - e queremos que permaneça sempre assim, ou então começamos a pensar que a neutralidade é estúpida ou inútil. Isto faz com que surjam mais desejos e com que nós comecemos a batalhar por algo melhor do que aquilo que já temos.
Quando isso acontece, não podemos dizer que estamos firmemente apoiados sobre o nosso fundamento da atenção plena - pois apesar de podermos estar plenamente atentos ao fato de que uma sensação boa, má ou neutra surgiu, nós ainda não a superamos. Isso mostra que nos faltam as três qualidades que podem alimentar e apoiar a atenção plena para que ela se torne um fator do Caminho. Em outras palavras, comece com a plena consciência firmemente estabelecida e depois use a atenção plena para conectar a mente com o seu objeto. Não permita que a mente se afaste do objeto e não permita que o objeto se afaste da mente. Mantenha a atenção plena firmemente ligada ao objeto e vigie a mente para se assegurar que ela permaneça fixada sobre esse único objeto. Quanto ao objeto, a sua investigação concentrada é responsável por ficar de olho em todos os tipos de sensações que possam surgir: internas ou externas; felizes, tristes ou indiferentes.
Por exemplo, quando surge a dor, de onde ela vem? Olhe para ela até que você entenda a sua verdade. De onde vem o prazer? É da responsabilidade da sua investigação concentrada descobrir isso. Em que momento mental ocorre a indiferença? Faz parte da responsabilidade da sua investigação concentrada ficar de olho até que você realmente saiba. Todas as sensações que surgirem, internas ou externas, são da responsabilidade da sua investigação concentrada. Você tem que usar os seus poderes de análise para penetrar em qualquer ponto onde possa surgir uma sensação. Esse é o primeiro ciclo na sua investigação.
2. O segundo ciclo: Observe o surgimento das sensações no presente. Você não precisa segui-las. Diga a si mesmo que não importa o que esteja causando essas sensações, você irá focar exclusivamente naquilo que estiver surgindo no momento presente.
3. Foque no lento desvanecimento das sensações no momento presente.
4. Foque na cessação das sensações no momento presente.
5. Mantenha a compreensão de que as sensações não fazem nada além de surgir e desaparecer – simplesmente desvanecendo e desaparecendo de várias formas - sem qualquer substância ou valor. Quando você puder fazer isso, poderá dizer que o seu fundamento da atenção plena está firmemente estabelecido nas sensações em si mesmas - e nesse ponto, o Caminho se realizou.
Se fossemos expressar isto em relação aos elementos do Caminho, teríamos que fazê-lo assim: A plena consciência que constantemente vigia a mente, mantendo-a dentro da sua normalidade, assegurando que ela não seja capturada por estados inábeis, é a virtude. A atenção plena que mantém a mente conectada com o seu objeto de tal forma que ela não se perca com outros objetos, é a concentração. A investigação concentrada que penetra cada objeto conforme ele surge de forma a conhecer a sua verdadeira natureza com clareza – conhecendo tanto aquilo que surge e desaparece como aquilo que não surge ou desaparece - é a sabedoria. Essas três qualidades têm que surgir juntas em um único momento mental para que o Caminho se realize (magga-samangi), e aí o Caminho funcionará por si mesmo, de acordo com as suas funções, permitindo que você veja com clareza e entenda corretamente sem ter que abandonar isto ou trabalhar naquilo, trabalhar nisso ou abandonar aquilo, abandonar o externo ou trabalhar o interno, trabalhar o externo ou abandonar o interno ou o que quer que seja.
Quando todas essas três qualidades estiverem unidas, você poderá lidar com qualquer sensação - passada, presente ou futura; prazerosa, desagradável ou neutra - porque quando essas três qualidades estão plenamente desenvolvidas, elas se conectam. É por essa razão que no princípio fiz esta comparação: A mente é como um eixo. A plena consciência é a polia que gira ao redor do eixo em um ponto. A atenção plena é a correia que ata a mente ao seu objeto, não permitindo que ela escape para outros objetos. A investigação concentrada é a lâmina que corta os troncos de madeira em pedaços - isso é o significado de "bhagavant."
Somente uma pessoa que tenha conseguido alcançar o discernimento para ver de acordo com a verdade descrita dessa forma, pode dizer que dominou completamente o uso das sensações como um fundamento da atenção plena.
III. A Mente
Ao usar a mente como um fundamento da atenção plena, existem três aspectos a considerar:
A. A mente interna.
B. A mente externa.
C. A mente em si mesma.
"A mente interna" se refere a uma condição exclusiva do coração quando ele não está envolvido com nenhum outro tipo de preocupação. "A mente externa" se refere à sua interação com objetos externos tais como visões, sons, etc. "A mente em si mesma" se refere ao ato de individualizar qualquer aspecto da mente à medida que ele surge, quer seja interno ou externo.
Quanto aos estados da mente interna, existem três -
1. Raga-citta: um estado mental pleno de desejo ou paixão.
2. Dosa-citta: um estado mental de raiva, irritação interna e desprazer.
3. Moha-citta: um estado mental nebuloso, turvo ou confuso, em que a mente é incapaz de levar algo em conta, em resumo, delusão.
A mente externa também está dividida nos três mesmos estados - cobiça, raiva e delusão - mas se diz que eles são 'externos' porque uma vez que qualquer um desses estados surja, eles tendem a sair e se unir a algum objeto externo que serve para simplesmente agravar ainda mais o estado original de cobiça, raiva ou delusão. A mente, então, não entende os seus objetos de maneira clara ou verdadeira. O seu conhecimento se perde em várias direções, distante da verdade: vendo, por exemplo, beleza nas coisas que não são belas, constância nas coisas que são inconstantes, prazer nas coisas que são dolorosas, e um eu nas coisas que não possuem um eu.
Todas essas coisas são os aspectos da mente externa.
"A mente em si mesma" se refere ao ato de escolher um entre qualquer um desses aspectos da mente. Por exemplo, às vezes a cobiça surge, às vezes a raiva, às vezes a delusão: qualquer aspecto que esteja surgindo no presente, identifique-o. Com a sua plena consciência firmemente estabelecida, dirija a atenção plena para esse aspecto da mente, sem fazer referência a nenhum outro objeto - e sem permitir que quaisquer expectativas ou desejos surjam naquele momento mental em particular. Depois foque sem hesitação na investigação daquele estado mental até que você entenda a sua verdade. A verdade desses estados é que, algumas vezes, uma vez que surgiram, eles se inflamam e se espalham; às vezes eles desaparecem. A sua natureza é surgir por um momento e depois se dissolver sem possuir nada de substância ou valor. Quando você tem por objetivo examinar as coisas desta forma - com a sua atenção plena, plena consciência e os poderes da investigação concentrada firmemente estabelecidos - então nenhuma dessas contaminações, mesmo que elas apareçam, terão a oportunidade de crescer ou se espalhar. É como os cestos ou vasos usados para cobrir alfaces novas; se ninguém remover os cestos, as plantas nunca terão como crescer e simplesmente irão murchar e morrer. Assim, você tem que manter a sua plena consciência em cada estado mental no momento em que este surgir. Mantenha a atenção plena constantemente se referindo ao seu objeto e use os seus poderes de investigação concentrada para penetrar as contaminações de forma a sempre mantê-las afastadas do coração.
Colocando de outra forma, todos os estados mentais mencionados acima seriam as sementes de alface. A atenção plena seria o cesto. A plena consciência a pessoa que espalha as sementes, enquanto que o poder da investigação concentrada o calor do sol que as aquece.
Até agora nós mencionamos apenas os estados mentais ruins. Os seus opostos são os estados mentais bons: viraga-citta - a mente livre do fogo da cobiça; adosa-citta - a mente livre do aborrecimento ou raiva que conduzem ao prejuízo e à ruína; amoha-citta - a mente livre da delusão, embriaguez e mal entendidos. Esses são estados mentais benéficos e habilidosos (kusala-citta), que formam a base de tudo que é bom. Quando eles surgirem, mantenha-os e observe-os para que você possa vir a conhecer o estado da sua mente.
Existem quatro níveis de estados mentais bons --
1. Kamavacara-bhumi: o nível da sensualidade.
2. Rupavacara-bhumi: o nível da forma.
3. Arupavacara-bhumi: o nível sem forma.
4. Lokuttara-bhumi: o nível transcendente.
1. O nível da sensualidade: Um estado mental surge e se conecta com um objeto benéfico e hábil - qualquer visão, som, aroma, sabor, tangível ou idéia que possa formar a base para estados mentais benéficos e hábeis. Quando a mente se encontra com o seu objeto, ela fica feliz, alegre e contente. (Neste caso estamos nos referindo aos objetos sensuais que são bons para a mente). Se você fosse se referir aos Paraísos da Felicidade Sensual da forma como eles aparecem dentro de cada um de nós, a lista seria a seguinte: Visões que podem formar a base para estados mentais benéficos e hábeis representam um nível, sons representam outro, e o mesmo se aplica aos aromas, sabores, tangíveis e idéias. Juntos elas formam os seis níveis do paraíso no nível da sensualidade.
2. O nível da forma: Um estado mental surge por pensar em (vitakka) um objeto físico que serve como tema da meditação; depois, a análise (vicara) do objeto sob os seus vários aspectos, ao mesmo tempo assegurando que a mente não escape do objeto (ekaggatarammana). Quando a mente e o seu objeto se unificam desta forma, o objeto se transforma em luminosidade. A mente fica descarregada e pode relaxar de suas preocupações. O êxtase (piti) e a felicidade (sukha)surgem como resultado. Quando esses cinco fatores surgem na mente, ela entrou no primeiro nível de jhana - o estágio inicial no nível da forma.
3. O nível sem forma: A mente se solta do seu objeto físico no nível da forma, mas ainda está apegada a uma noção mental muito sutil - o jhana do espaço infinito, por exemplo, em que você está focado numa sensação de vazio sem que nenhum objeto físico ou imagem passe pelo seu campo de atenção, de forma que você é incapaz de conhecer toda a sua extensão. O que na verdade aconteceu é que você se encolheu e está escondido internamente. Este não é o tipo "ir para dentro para conhecer" que surge ao realizar o seu trabalho. É o "ir para dentro para conhecer" que surge de querer fugir. Você viu os defeitos do que surge fora de você, mas você não viu que na verdade eles estão enterrados dentro de você - assim você se escondeu internamente pela limitação do seu campo de atenção.
Algumas pessoas, quando alcançam este ponto, acreditam que elas eliminaram as impurezas, porque elas confundem o vazio com nibbana. Na verdade, esse é somente o primeiro estágio no nível sem forma e assim ainda se encontra no plano mundano.
Se você realmente quiser saber se a sua mente está no nível mundano ou transcendente, observe-a quando você dirigir a atenção internamente e ela se tranqüilizar - sentindo uma sensação de paz e tranqüilidade que pareça não possuir nenhuma impureza que a esteja adulterando. Solte-se desse estado mental para ver como ela se comporta por si mesma. Se as impurezas conseguirem reaparecer, você ainda estará no plano mundano. Algumas vezes esse estado mental permanece inalterado pela força do seu próprio esforço, mas após algum tempo você fica inseguro em relação ao seu entendimento. A sua mente continua se manifestando, isto é, fazendo comentários. Se for esse o caso, não acredite que o seu entendimento seja verdadeiro.
Existem muitos, muitos tipos de conhecimentos: O intelecto sabe, o coração sabe, a consciência sabe, o discernimento sabe, a plena consciência sabe, a atenção sabe, a falta de atenção sabe. Todos esses tipos se baseiam em conhecimento; eles diferem entre si apenas na forma como sabem. Se você não for capaz de claramente distinguir entre os diferentes tipos de conhecimento, o entendimento pode ficar confuso - e assim você pode tomar o entendimento incorreto como sendo entendimento correto, ou a não consciência como consciência, ou o conhecimento baseado em suposições (sammuti) como o conhecimento livre de suposições (vimutti). Portanto, você deve experimentar e examinar as coisas com cuidado sob todos os ângulos, de forma que você possa ver por si mesmo que tipo de entendimento é o genuíno e qual é o falso. O falso entendimento apenas sabe mas não é capaz do abandono. O entendimento verdadeiro, quando se empenha em saber algo, já está preparado para abandonar.
Todos os três níveis da mente apresentados até agora estão no plano mundano.
4. O nível transcendente: Ele inicia com o caminho e o fruto de entrar na correnteza em direção a nibbana. Aqueles que atingiram este nível começaram seguindo o treinamento tríplice da virtude, concentração e sabedoria no nível mundano e daí continuaram para conquistar o primeiro verdadeiro insight das Quatro Nobres Verdades, o que fez com que eles se libertassem dos três primeiros grilhões (samyojana). Dessa forma, as suas mentes foram libertadas na correnteza em direção a nibbana. Os três grilhões são -
a. Idéia da existência de um eu (sakkaya-ditthi): a idéia que nos faz acreditar que o corpo nos pertence.
b. Dúvida (vicikiccha): a incerteza que nos faz ficar inseguros sobre se aquilo em que acreditamos é realmente bom - isto é, quanto de verdade existe em relação ao Buda, ao Dhamma e à Sangha.
c. Apego a preceitos e rituais (silabbata-paramasa): Afeição pelo bem que praticamos; apego àquelas formas de bondade que são apenas externas, por exemplo, observar preceitos ou rituais apegando-se simplesmente ao nível da ação com o corpo ou com a linguagem. Exemplos dessa atitude incluem coisas tais como o desenvolvimento da virtude somente através da adesão aos preceitos; praticar a concentração simplesmente sentado como se fosse um poste; não ser capaz de se livrar dessas ações, sempre se agarrando à bondade que deriva delas, feliz quando tem a oportunidade de realizá-las de um modo particular, descontente quando não pode; pensar por exemplo, que a virtude é algo obtido dos monges quando eles lhe dão os preceitos; que os oito preceitos são para serem observados somente em certos dias e noites, meses e anos; que você ganha ou perde mérito simplesmente como resultado de ações externas ligadas às crenças com as quais você está habituado. Nenhuma dessas atitudes atinge a essência da virtude. Elas não vão além do simples apego a crenças, hábitos e convenções; agarrando-se a essas formas de bondade, sempre demonstrando afeição por elas, incapaz de se soltar delas. Portanto, a isto chamamos de "apego a preceitos e rituais".
Tais atitudes são um obstáculo para aquilo que é verdadeiramente bom. Veja, por exemplo, a antiga crença de que bondade significa praticar caridade, virtude e meditação nos dias de sabbaoth: aqueles que 'entraram na correnteza' abandonaram completamente tais crenças. Os seus corações não estão mais aprisionados a crenças e costumes. As suas virtudes não possuem mais preceitos. Em outras palavras, eles alcançaram a essência da virtude. As suas virtudes estão isentas das limitações do tempo. Nisto eles diferem das pessoas comuns. As pessoas comuns têm que avaliar a bondade de acordo com critérios externos - acreditando por exemplo, que a virtude se encontra neste ou naquele dia, durante o Retiro das Chuvas, durante este ou aquele mês ou ano, e depois agarrando-se firmemente a essa crença, mantêm que quem não segue esse costume não pode ser virtuoso. No final, essas pessoas têm muita dificuldade em encontrar a oportunidade para realmente fazer o bem. Portanto, podemos dizer que elas não sabem qual é o verdadeiro critério para a bondade. Quanto aos que 'entraram na correnteza', todas as qualidades da virtude surgiram e preencheram os seus corações. Eles são capazes de libertar-se dos valores convencionais mundanos que dizem que isto ou aquilo é a bondade. Aquilo que é verdadeiramente bom eles viram surgir nos seus corações. O bem está exatamente aqui. O mal está exatamente aqui. Nenhum deles depende de ações externas. Isso está de acordo com o que o Buda disse,
mano-pubbangama dhamma
mano-settha mano-maya
Todas as coisas são precedidas pelo coração,
superadas pelo coração,
alcançadas através do coração.
Isto é o que significa "Entrar na Correnteza".
Aqueles que 'entraram na correnteza' são como as pessoas que remam os seus barcos até a correnteza principal do rio Chao Phraya e por isso estão destinadas a flutuar até a foz do rio e para dentro do mar de amata - do imortal – de nibbana. Existem três formas pelas quais elas podem chegar até o mar:
1. O nível mais baixo do 'entrar na correnteza' é igual ao barqueiro que se reclina e simplesmente apóia a mão sobre o timão. Este nível do 'entrar na correnteza' alcança o seu objetivo lentamente.
2. O segundo nível é como um barqueiro que tem o pé no timão e com os remos nas mãos ele vai remando junto.
3. O terceiro nível: O barco está equipado com um motor e o barqueiro controla o leme e assim ele alcança o objetivo em muito pouco tempo.
Este - alcançar a correnteza em direção a nibbana - é o estágio inicial do nível transcendente. Se você quisesse simplificar os três Grilhões, poderia fazê-lo da seguinte forma: Ter apego ao corpo, como se ele pertencesse à pessoa, significa a identificação com um eu. Ter apego às ações do corpo significa apego a preceitos e rituais. Não saber como separar a mente do corpo ou das próprias ações faz com que a pessoa não seja capaz de ver com clareza e entender verdadeiramente os fenômenos: isso conduz à incerteza e à dúvida.
Essas são apenas as minhas opiniões sobre esse assunto, portanto, vocês que estão lendo, devem considerá-lo cuidadosamente por si mesmos.
Aqui termina a discussão dos estados habilidosos mundanos e transcendentes da mente.
Ao conhecer as características dos vários estados mentais, você deve usar as três qualidades mencionadas acima como suas ferramentas: mantenha a sua atenção plena, plena consciência e os poderes de investigação concentrada, firmemente estabelecidos na mente. Para poder obter o entendimento, você tem que usar o poder da investigação concentrada que é um aspecto da sabedoria, para compreender como os estados mentais surgem e desaparecem: surgindo, tomando uma posição e depois retornando para a serenidade. Você precisa manter a sua atenção constantemente fixada na investigação dessas coisas, para ser capaz de compreender o surgimento e desaparecimento dos estados mentais - então você irá compreender a natureza da mente que não surge e não desaparece.
O conhecimento do surgimento e desaparecimento de estados mentais passados é um nível de habilidade cognitiva (vijja) e deve ser chamado de "conhecimento de nascimentos anteriores." O conhecimento dos estados mentais conforme eles mudam no presente deve ser chamado de "conhecimento da morte e do renascimento". Saber como separar os estados mentais dos seus objetos, conhecendo a natureza primária da mente, o fluxo ou força da mente que flui em direção aos seus objetos; separando os objetos, a corrente da mente que flui e a natureza primária da mente: o conhecimento dessa maneira, deve ser chamado de "conhecimento da cessação das impurezas mentais (asava)". Os objetos ou preocupações da mente são as impurezas da sensualidade. A corrente que flui é a impureza do estado de vir a ser. Não conhecer a natureza primária da mente é a impureza da ignorância.
Se fôssemos expressar isto em relação às quatro Nobres Verdades, faríamos da seguinte forma: Os objetos ou preocupações da mente são a verdade do sofrimento (dukkha-sacca). O fluxo da mente que corre em direção aos objetos e que se enamora dos objetos é a verdade da causa do sofrimento (samudaya-sacca). O estado mental que penetra para ver com clareza a verdade de todos objetos, o fluxo da mente e a natureza primária da mente, é chamado de o momento mental que forma o Caminho (magga-citta). Soltar-se dos objetos, do fluxo mental e da natureza primária da mente, sem nenhuma noção de apego, é a verdade da cessação do sofrimento (nirodha-sacca).
Quando as três qualidades que auxiliam a mente - plena consciência, atenção plena e investigação concentrada - são fortes e vigorosas, a plena consciência se torna a consciência da libertação, (vijja-vimutti), a atenção plena se torna a compreensão, (ñana), e a investigação concentrada se torna o insight libertador, (vipassana-ñana), a sabedoria que é capaz de permanecer fixa no entendimento da verdade do sofrimento sem permitir que qualquer noção de prazer ou desprazer em relação ao seu objeto possa surgir. A compreensão examina a fundo a causa do sofrimento, e a consciência da libertação compreende o coração de forma clara e completa. Quando você obtiver o entendimento desta forma, poderá dizer que seu entendimento é correto.
Agora eu gostaria de voltar um pouco atrás e discutir a questão da mente um pouco mais detalhadamente. A palavra "mente" abrange três aspectos:
(1) A natureza primária da mente.
(2) Estados mentais.
(3) Estados mentais em interação com os seus objetos.
Todos esses aspectos, tomados em conjunto, compõem a mente. Se você não conhecer a mente desta forma, você não poderá dizer que realmente a conhece. Tudo que você poderá fazer é dizer que a mente surge e desaparece, a mente não surge ou desaparece; a mente é boa, a mente é má; a mente se destrói, não se destrói; a mente é um dhamma, a mente não é um dhamma; a mente conquista a libertação, a mente não conquista a libertação; a mente é nibbana, a mente não é nibbana; a mente é a consciência sensorial, a mente não é a consciência sensorial; a mente é o coração, a mente não é o coração...
Conforme ensinado pelo Buda, existem apenas dois caminhos para a prática - o corpo, a linguagem e o coração; ou o corpo, a linguagem e a mente - e ao final ambos os caminhos chegam ao mesmo ponto: o seu verdadeiro objetivo é a libertação. Portanto, se você quiser conhecer a verdade sobre qualquer um dos assuntos acima, você terá que seguir o caminho e alcançar a verdade por si mesmo. De outro modo, você cairá em discussões intermináveis. Esses assuntos - para aquelas pessoas que não praticaram até alcançar o insight claro - são caracterizados pelas pessoas sábias como sedamocana-katha: assuntos que farão apenas com que você transpire muito.
Portanto, eu gostaria de dar uma breve explicação: A natureza primária da mente é a qualidade que simplesmente sabe. O fluxo que pensa e flui para fora do 'saber' para os vários objetos é um estado mental. Quando esse fluxo se conecta com os seus objetos e se encanta com eles, ele se torna uma contaminação, obscurecendo a mente: esse é o estado mental em interação. Os estados mentais, por si mesmos e em interação, quer sejam benéficos ou prejudiciais, têm que surgir, têm que desaparecer, têm que se dissolver por sua própria natureza. A fonte de ambos os tipos de estados mentais é a natureza primária da mente, que nem surge e nem desaparece. É um fenômeno fixo (thiti-dhamma), sempre presente. Por natureza primária da mente - que é chamada de "pabhassara," ou luminosa - eu quero dizer o estado normal e elementar do saber no presente. Mas quem não é capaz de penetrá-la para conhecê-la não poderá obter nenhum benefício dela, como a história do macaco com o diamante.
Por isso, o nome dado pelo Buda para descrever esse tipo de coisas é realmente adequado: avijja - entendimento obscurecido, falso entendimento. Isto está de acordo com os termos "pubbante aññanam" - não conhecer o início, isto é, a natureza primária da mente; "parante aññanam" - não conhecer o fim, isto é, os estados mentais em interação com os seus objetos; "majjhantika aññanam" - não conhecer o meio, isto é, o fluxo que flui da natureza primária do saber. Quando esse é o caso, a mente se torna um sankhara: fazendo invenções, fazendo mágicas, fabricando em abundância nas mais variadas formas.
Isto termina a discussão da mente como um fundamento da atenção plena.
IV. Objetos Mentais
Os objetos mentais como um fundamento da atenção plena podem ser divididos em três tipos: objetos mentais internos, objetos mentais externos e objetos mentais em si mesmos.
A. Os objetos mentais internos podem ser benéficos ou prejudiciais, mas aqui estaremos tratando somente dos cinco Obstáculos (nivarana), que são prejudiciais:
1. Kama-chanda: desejo sensual.
2. Byapada: má vontade, maldade.
3. Thina-middha: preguiça e torpor.
4. Uddhacca-kukkucca: inquietação e ansiedade.
5. Vicikiccha: dúvida.
Esses cinco Obstáculos podem ser fenômenos internos ou externos. Por exemplo:
1. A mente dá origem ao desejo, mas sem ter ainda fluído para fora para fixar os seus desejos em algum objeto em particular.
2. A mente dá origem a uma sensação de má vontade e descontentamento, mas sem ter ainda se fixado em algum objeto em particular.
3. Um estado de torpor surge na mente, mas sem ter ainda se fixado em algum objeto em particular.
4. A mente está inquieta, ansiosa e perturbada por si mesma, mas sem ter ainda se fixado em algum objeto em particular.
5. A mente está com dúvida e incerteza - incapaz de pensar muito bem - mas sem ter ainda se fixado em algum objeto em particular. Ela está assim por si mesma.
Se esses cinco Obstáculos ainda estão fracos e não fluíram para fora para se envolver com algum objeto externo, eles são chamados de "objetos mentais internos".
B. Os objetos mentais externos vêm simplesmente de dentro:
1. Uma vez que a mente fez surgir uma sensação de desejo, esta flui para fora e se fixa em objetos externos tais como visões, sons, aromas, sabores, etc.
2. Uma vez que a mente fez surgir uma sensação de má vontade, esta flui para fora e se fixa numa visão, som, aroma, sabor, etc. e depois odeia o seu objeto desejando destruí-lo.
3. A mente, já em um estado de torpor, flui para fora e se fixa num objeto externo. Uma vez que tenha se fixado no objeto ela então se torna ainda mais adormecida.
4. A mente, já inquieta, flui para fora e se fixa em objetos externos tais como visões, sons, aromas, sabores, etc.
5. Um estado mental de incerteza surge na mente e a mente o deixa fluir para fora para fixar-se em objetos externos tais como visões, etc.
Dessa maneira, esses são chamadas de objetos mentais externos. Quando um objeto mental surge primeiro na mente, este é chamado de uma qualidade interna. Quando este se inflama, fica mais forte e flui para fora para um objeto externo, é chamado de qualidade externa.
C. Objetos Mentais em si mesmos: isto significa focar em qualquer um dos cinco Obstáculos - porque todos os cinco Obstáculos não aparecem no mesmoo momento mental. Assim, você pode escolher qualquer um dos Obstáculos para focar e examinar. Por exemplo, suponha que o desejo sensual tenha surgido: mantenha a sua plena consciência firmemente estabelecida no coração e use os seus poderes para referir e manter a mente no fenômeno. Não vacile e não permita que quaisquer expectativas ou desejos surjam. Mantenha a sua mente firmemente num só lugar. Não arraste outros objetos para dentro para que interfiram. Foque os seus poderes de investigação apenas na qualidade que está surgindo no momento presente. Enquanto você não tiver obtido um insight claro e verdadeiro, não abandone os seus esforços. Quando você conseguir fazer isso, estará desenvolvendo os objetos mentais em si mesmos como um fundamento da atenção plena.
Os objetos mentais mencionados acima são todos qualidades inábeis (akusala dhamma). Elas agem como obstáculos para os jhanas, o insight libertador e o transcendente. Portanto, se você quiser se libertar deles, primeiro você precisa centrar a mente firmemente em concentração. Para ser capaz de centrar a mente com firmeza, você deve desenvolver as seguintes qualidades interiormente -
(1) Sampajañña: plena consciência. Tenha sempre a plena consciência firmemente estabelecida.
(2) Sati: atenção plena. Mantenha a mente se referindo firmemente a qualquer objeto que surja dentro dela. Vigie o objeto para mantê-lo na mente; vigie a mente para assegurar que ela não se desvie do seu objeto e que não escape para outros objetos. Uma vez que você veja que a mente e o seu objeto se tornaram compatíveis um com o outro, use -
(3) Atappa - o poder da investigação concentrada- para chegar até a verdade do objeto em questão. Se você ainda não conquistou o insight claro e verdadeiro, não afrouxe os seus esforços. Mantenha o foco e a investigação até que o seu poder de discernimento esteja concentrado e forte, e você descubra que os objetos mentais - quer sejam internos, externos ou em si mesmos - simplesmente surgem, desvanecem e se extinguem. Não existe nenhum valor permanente neles, porque todos eles são sankhata dhamma - fenômenos condicionados - e tudo aquilo que é condicionado está sujeito às verdades de aniccata: impermanência, dukkhata: sofrimento, isto é, difícil de suportar, e anattata: não é você, seu, ou de qualquer outra pessoa. Eles simplesmente mudam de acordo com as condições da natureza. Ninguém que possua discernimento verdadeiro irá acreditar que esses objetos são o eu ou algo de valor duradouro, porque essas pessoas viram que essas coisas são como rodas ou engrenagens: todos que se agarram a elas são atropelados ou esmagados.
Portanto, se você espera alcançar a verdadeira felicidade oferecida pelos ensinamentos do Buda, deveria tomar os três objetos mencionadas acima e fazer com que eles sejam características permanentes do seu coração - e assim você verá com clareza a qualidade livre de fabricações, chamada de Não Condicionado (asankhata dhamma), o Dhamma verdadeiro, Não criado, Não causado, ele simplesmente é, por sua própria natureza. Ele não fica dando voltas, surgindo e desaparecendo. O Não Condicionado é uma parte comum da natureza, no entanto ninguém no mundo pode conhecê-lo, exceto aqueles que desenvolverem a virtude, concentração e sabedoria. Assim, se você sinceramente quer superar o sofrimento você deve trabalhar para fazer surgir o insight claro e verdadeiro através dos seus próprios esforços. Quando você conseguir se manter constantemente com plena consciência, será capaz de conhecer a natureza da mente. Os seus poderes de atenção plena e investigação concentrada terão que estar firmes no seu lugar, dentro de você, para que você não seja enganado pelos objetos e preocupações da mente.
A maioria das pessoas, normalmente, não possui uma noção clara acerca da sua própria natureza e por isso não consegue ver com clareza os pensamentos e desejos que surgem dentro delas. Como resultado, elas saem e se unem aos objetos dos pensamentos e desejos, dando origem à roda de renascimentos (vatta-samsara), que fica girando, girando sem ter um fim.
Agora vou fazer referência à roda internamente: não entender a natureza primária da mente é o ciclo das contaminações, (kilesa vatta), ou ignorância, que é o início do ciclo. Isso dá origem ao ato da fabricação mental ou síntese que é o ciclo da intenção e ação, (kamma vatta). Isto, por sua vez, nos conduz a experimentar os objetos mentais e as preocupações que são o ciclo da retribuição, (vipaka vatta). Portanto existem três partes no ciclo.
As três partes do ciclo podem ser ilustradas da seguinte forma: A ignorância é o cubo da roda. As fabricações mentais são os raios e as preocupações mentais a borda. Os órgãos sensoriais formam o jugo e os arreios, os objetos sensoriais são o boi e o condutor é o nascimento, envelhecimento, enfermidade e morte. Agora, amontoe os seus pertences - as suas contaminações - e com uma chicotada, você parte. O boi irá puxá-lo, conduzindo-o montanha acima e abaixo, até que no final você desabará e será partido em pedaços, isto é, morrerá.
Por esse motivo, precisamos fazer com que a nossa consciência penetre a natureza da mente no centro do eixo, que não gira com a roda e do qual se diz "não ter ciclos", (vivatta). Quem puder fazer isso irá descobrir que o caminho é repentino e curto, não lento. Por exemplo, nos tempos antigos, monges e discípulos leigos eram capazes de realizar a Iluminação mesmo sentados ao ouvir um sermão, enquanto esmolavam por comida ou enquanto encaravam um cadáver. Disso podemos concluir que após ter se imbuído com as qualidades mencionadas acima, eles focavam a sua investigação naquele ponto em particular e alcançavam o insight claro e verdadeiro ali e naquele momento, sem ter que puxar para dentro ou para fora, para trás ou para frente. Eles foram capazes de se soltar naturalmente, sem "dentro" ou "fora", sem "vir" ou "ir".
Aqueles que investigarem verão a verdade. Algumas pessoas crêem que terão que abandonar todas as preocupações mentais antes de começar a treinar a mente, mas a verdade é que a mente é normalmente deludida exatamente nesse ponto - nas suas preocupações - e o ponto onde você é deludido é o ponto que você deve investigar. Se você não resolver o problema exatamente onde você se delude, não creia que fugindo você poderá se soltar. Mesmo que você fuja, você acabará voltando e caindo nas mesmas antigas preocupações uma vez mais.
No entanto, as pessoas que possuem discernimento, quer lidem com aquilo que é interno ou com o que é externo, podem fazer surgir a virtude, concentração, sabedoria e libertação em qualquer contexto. Elas não possuem a noção de que o interno é correto e o externo é incorreto; que o interno é incorreto e o externo correto; ou de que o interno é refinado e o externo grosseiro. Tais opiniões nunca ocorrem a pessoas com sabedoria. A sabedoria tem que ter um conhecimento abrangente ou um conhecimento geral antes que possa ser chamada de sabedoria completa. O conhecimento abrangente significa conhecer aquilo que é interno primeiro e depois o que é externo. O conhecimento geral significa conhecer aquilo que é externo primeiro e depois trazer essa consciência para dentro. É por isso que elas são chamadas pessoas com discernimento. Elas são capazes de trazer aquilo que é externo para dentro; aquilo que é grosseiro elas podem tornar refinado; o passado e o futuro elas podem trazer para o presente, porque elas reuniram os elementos do Caminho em medidas iguais - atenção plena, plena consciência e investigação concentrada - cada uma realizando as suas tarefas, formando o caminho que conduz para além do sofrimento e estresse.
Aqueles que forem capazes de fazer isso, serão capazes de alcançar a verdade em qualquer postura. Tudo que eles virem, será a condição do sofrimento, (sabhava-dukkha), e a condição das coisas em si mesmas, (sabhava-dhamma). Ver as coisas dessa forma se chama "yathabhuta-ñana" - compreender as coisas como elas realmente são.
Sumário
Os quatro fundamentos da atenção plena podem ser reduzidos a dois: fenômenos materiais e mentais ou, colocando de outra forma, corpo e mente. Embora eles sejam divididos em quatro, apenas o fluxo da mente é que é dividido. Quando você chega na essência da prática, tudo se resume ao corpo e à mente. Se você realmente quiser simplificar a prática, você deveria focar na investigação do corpo e depois na investigação da mente.
1. Focando na investigação do corpo: atente para qualquer aspecto em particular do corpo, tal como a respiração, e então quando você for capaz de mantê-la em foco com precisão, espalhe a sua atenção para observar outros aspectos do corpo, examinando-os através de vários ângulos. No entanto, enquanto você estiver investigando, não abandone o seu foco original na respiração. Permaneça examinando as coisas até que você obtenha o insight claro e verdadeiro dos aspectos do corpo e a mente fique mais tranqüila, calma e sutil do que inicialmente. Se algo surgir, enquanto você estiver investigando, não se apegue a isso de nenhuma forma.
2. Focando na investigação da mente: coloque a sua atenção em um ponto qualquer e mantenha essa atenção perfeitamente imóvel. Depois que a sua mente tenha estado tranqüila por um tempo suficiente, examine as maneiras pelas quais ela muda e se move, até que você possa enxergar que esses movimentos, quer sejam bons ou ruins, são apenas uma fabricação (sankhara). Não se permita ficar preocupado com nada que você venha a saber, pensar ou ver enquanto estiver examinando. Mantenha a sua atenção no presente. Quando você for capaz de fazer isso, a sua mente estará direcionada para a paz e para o insight claro.
Este tipo de prática está de acordo com todos os quatro fundamentos da atenção plena. Quando você for capaz de fazer isso, você fará surgir o momento mental que forma o Caminho - e no momento em que o Caminho surgir com força total é o momento em que você poderá se soltar.
Soltar-se pode ser de duas formas: (1) Ser capaz de se soltar de objetos mentais mas não da própria mente. (2) Ser capaz de se soltar de ambos, dos objetos mentais e do próprio eu.
A capacidade de se soltar de ambos, dos objetos e do seu eu, é o que caracteriza o entendimento verdadeiro. A capacidade de se soltar dos objetos mas não do eu é o que caracteriza o entendimento falso. O entendimento verdadeiro faz com que você se solte de ambos: ele permite que o objeto siga a sua própria natureza como um objeto e permite que a mente siga a natureza da mente. Em outras palavras, permite que a natureza siga o seu próprio curso. Neste caso "objeto" se refere ao corpo, "eu" se refere ao coração. Você tem que se soltar de ambos.
Quando o seu entendimento alcançar este nível, você não precisará se preocupar muito acerca da virtude, da concentração ou da sabedoria. A virtude, a concentração e a sabedoria não são a natureza da mente; nem a natureza da mente é a virtude, a concentração e a sabedoria. A virtude, a concentração e a sabedoria são simplesmente fenômenos fabricados, ferramentas para a extinção das impurezas. Quando as impurezas forem extintas então a virtude, a concentração e a sabedoria também desaparecerão. A virtude, a concentração e a sabedoria são como a água. As impurezas são como um incêndio. A mente é como uma pessoa usando a água para extinguir o incêndio. Quando a água extinguir as chamas, a água em si desaparecerá - mas a pessoa que extinguiu o incêndio não desaparece. O fogo não é a água, a água não é o fogo. A pessoa não é a água, a água não é a pessoa. A pessoa não é o fogo, o fogo não é a pessoa. A natureza verdadeira da mente não é a impureza, nem a virtude, nem a concentração e nem a sabedoria. Ela simplesmente é, de acordo com a sua própria natureza.
Aqueles que não conhecem a natureza da verdade sustentam que a morte é a aniquilação ou que nibbana é a aniquilação de um tipo ou de outro. Isto não passa de um mal entendido. Mesmo aqueles que só atingiram o nível de 'entrar na correnteza' sabem que a verdadeira natureza da mente não é aniquilada de nenhuma forma, por isso eles possuem a convicção forte e inabalável, acreditando nos caminhos e nos seus frutos. Embora os seus corações não estejam completamente livres da mescla de impurezas, essas impurezas não são capazes de apagar a verdadeira natureza dos seus corações - tal como um lingote de ouro que caia na sujeira, embora coberto por ela, a sujeira não poderá transformá-lo em outra coisa que ouro.
Isso difere da pessoa comum, sem instrução. A mente de uma pessoa comum pode ficar pura de tempos em tempos, mas ela não permanece assim. Ela não consegue escapar de ser tomada novamente pelas impurezas - tal como uma faca afiada, que só permanecerá assim se ficar em um banho de óleo. Se você colocar a faca em uso, ou esquecer de banhá-la, o aço da lâmina irá se transformar em outra coisa que aço.
Portanto, todos nós deveríamos nos esforçar seriamente para pelo menos ‘entrar na correnteza’, pois, embora todas as qualidades que mencionei - quer sejam condicionadas, (sankhata dhamma), ou Não Condicionadas, (asankhata dhamma), – se encontrem misturadas em cada um de nós, nenhuma delas é tão louvada quanto viraga dhamma: o ato de desapego que extrai o Não Condicionado do condicionado, como o ouro é extraído do minério bruto.
Os ensinamentos do Buda são sutis e profundos. Aqueles que não estiverem verdadeiramente empenhados em colocá-los em prática não irão conhecer o seu sabor - como um pastor contratado para cuidar do rebanho de vacas, e que nunca conheceu o sabor do leite que elas produzem.
Assim somos ensinados.
Estudar é conhecer
os textos,
Praticar é conhecer
as suas impurezas,
Alcançar o objetivo é conhecer
e se desapegar.
Glossário
As definições abaixo estão baseadas no significado que esses termos possuem nos escritos e sermões de Ajaan Lee.
Avijja: Ignorância; falso conhecimento.
Ayatana: Meio sensorial. Os seis meios internos são o olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente. Os seis meios externos são os seus respectivos objetos.
Bhagavant: Um epíteto para o Buda, em geral traduzido como "Abençoado" ou "Louvado". Alguns comentaristas no entanto, identificam a raiz etimológica da palavra em Pali como significando "dividir" e por extensão "analisar" e dessa forma o traduzem como "Analista".
Dhamma: Evento; fenômeno; a forma como as coisas são em si mesmas; as suas qualidades inerentes; os princípios básicos subjacentes ao seu comportamento. Também, princípios de comportamento que os seres humanos deveriam seguir de forma a se encaixar dentro da ordem natural das coisas; qualidades da mente que se deveria desenvolver de forma a compreender a qualidade da mente em si mesma. Por extensão, "dhamma" também é usado para se referir a qualquer doutrina que ensine essas coisas. Portanto o Dhamma do Buda se refere tanto aos seus ensinamentos como à experiência direta da qualidade de nibbana para o qual esses ensinamentos estão direcionados.
Dhatu: Elemento; propriedade; as propriedades elementares que compõem o corpo e a mente : terra (solidez), água (liquidez), fogo (calor), ar (energia ou movimento), espaço e consciência.
Jhana: Absorção meditativa em um único objeto, noção ou sensação.
Kamma: Ações intencionais que resultam em estados de ser e nascimento. 'Dívidas kammicas’ são as dívidas morais que alguém possui em relação a outras pessoas, quer seja porque representaram um fardo (sendo o principal exemplo a dívida para com os pais), ou porque agiram mal.
Khandha: Partes componentes da percepção sensorial: rupa (dados sensoriais, aparências); vedana (sensações de prazer, dor ou indiferença); sañña (percepção, rótulos, conceitos, alusões); sankhara (construções ou fabricações mentais); e viññana (consciência, a projeção da atenção sobre os objetos de forma a conhecê-los com clareza e julgá-los).
Magga: O caminho para a cessação do sofrimento e do estresse. Os quatro caminhos transcendentes - ou de preferência, um caminho com quatro níveis de refinamento - são o caminho para 'entrar na correnteza' (entrar na correnteza em direção a nibbana, que assegura o renascimento, no máximo, sete vezes mais), o caminho de 'um retorno', o caminho de 'não retorno' e o caminho do arahant. Phala - fruto - se refere ao estado mental que segue iimediatamente appós alcançar qualquer um desses caminhos.
Nibbana (nirvana): Libertação; o desatamento da mente do desejo, raiva e delusão, das sensações físicas e atos mentais. Como este termo também é utilizado para se referir a apagar um fogo, também assume a conotação de tranqüilizar, esfriar e pacificar. (De acordo com os conhecimentos de física da época do Buda, a propriedade do fogo existe em um estado latente em todos os objetos em maior ou menor intensidade. Quando ativada, ela se apega e fica presa ao seu combustível. Enquanto ela permanecer latente ou for apagada, ela não está "presa".)
Sankhara: Formações - as forças que formam os fenômenos, o processo de formação e os fenômenos formados - mentais ou fisicos. Em certos contextos este termo se refere especificamente à formação de pensamentos na mente. Em outros, se refere a todos os cinco khandhas (vide acima).
Sabbe satta sada hontu
avera sukha-jivino
katam puñña-phalam mayham
sabbe bhagi bhavantu te
avera sukha-jivino
katam puñña-phalam mayham
sabbe bhagi bhavantu te
Que todos os seres vivam sempre felizes,
livres da inimizade.
Que todos possam compartir das bênçãos
que brotam do bem que eu fiz.
livres da inimizade.
Que todos possam compartir das bênçãos
que brotam do bem que eu fiz.
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