Permitindo que as coisas surjam

Por Ajahn Sumedho

Antes de permitir abrir mão, você precisa aceitá-las com plena consciência. Na meditação, nosso foco é para habiamente permitir que a subconsciência surja na consciência. Todo desespero, medo, angústia e raiva é admitido na consciência. Há uma tendência entre as pessoas de desejar ideais elevados. Podemos ficar muito desapontados conosco por às vezes não nos sentirmos tão bons quanto desejamos ser ou que não devessemos ter raiva - todos os "podemos" ou "não podemos". Então criamos o desejo de acabar com essas coisas - este desejo tem uma qualidade hábil. Parece ser correto acabar com pensamentos ruins, ira e inveja porque uma boa pessoa "não deve ser assim." Desta forma, criamos a culpa.  
Refletindo sobre isso, nossa consciência passa a ter o desejo de ser este ideal e quer elimar todas as coisas ruins. E fazendo isso, podemos abrir mão. Então, em vez de querer ser uma pessoa perfeita, você abre mão do desejo. O que sobra é a mente pura. Não há necessidade de se tornar uma pessoa perfeita porque na mente pura é que surge e cessa a pessoa perfeita.
A cessação é fácil de entender intelectualmente, mas experimentar isso pode ser um tanto difícil porque isso implica lidar com pensamentos que preferimos não lidar. Por exemplo, logo quando comecei a praticar meditação, tinha a ideia de que meditar pudesse me faz ser mais calmo e feliz e que eu poderia experimentar magníficos estados mentais. Mas durante os primeiros dois meses, eu senti raiva e ódio na minha vida. Eu pensava, "isso é terrível; a meditação havia me tornado pior." Mas então eu contemplei  porque havia tanto ódio e aversão surgindo, e pude perceber que boa parte da minha vida havia sido uma tentativa de escapar disso tudo. Costumava ser um leitor compulsivo. Por onde eu fosse, levava livros comigo. Quando surgiam o medo e ou a aversão eu pegava um livro para ler ou, fumava ou comia um lanche. Eu tinha uma imagem de mim mesmo como sendo gentil e sem ódio pelas pessoas, então qualquer sinal de aversão ou ódio era reprimido.  
É por isso que durante os primeiros meses como monge, eu tinha desespero em procurar coisas para fazer. Eu tentava procurar algo para me distrair porque na meditação eu começava a lembrar de todas as coisas que eu deliberadamente tentava esquecer. Lembranças da infância e adolescência surgiam na minha mente; então esta raiva e ódio tornaram-se tão vivas que pareciam me oprimir por completo. Mas algo em mim havia começado a reconhecer que eu precisava lidar com isso, então assim o fiz. Toda a raiva e ódios que foram suprimidos ao longo de trinta anos atingiram o ápice e se destruiram através da meditação. Foi um processo de purificação. 
Para permitir que esse processo funcione, devemos permitir o sofrimento. É por isso que eu enfatizo a importância da paciência. Precisamos abrir nossas mentes para o sofrimento porque é em abraçar o sofrimento que o sofrimento cessa. Quando vemos que estamos sofrendo, seja mentalmente, seja mentalmente, então contemplamos o sofrimento, que é o momento atual. Nos abrimos completamente para isso, damos boas-vindas a isso, nos concentramos nisso, deixando que isso seja o que é. Isso significa que devemos ser pacientes e lidar com os desprazeres de certas coisas. Temos que aguentar o tédio, desespero, dúvida e medo para entender que eles cessam do que simplesmente fugir deles.  
Enquanto não permitirmos que as coisas cessem, criamos um novo kamma que reforça nossos hábitos. Quando algo surge, nós nos apegamos e proliferamos isso; isso complica tudo. Então essas coisas se repetirão continuamente ao longo de nossas vidas - não pode-se esperar que seguindo nossos desejos e medos poderemos ter paz. Nós contemplamos o medo e o desejo para que eles não nos iludam mais; temos que saber o que está nos iludindo antes de abrir mão. Desejo e medo devem ser conhecidos como impermanentes, insatisfatórios e não-eu. Eles são vistos e superados, assim o sofrimento pode ser destruído.
É muito importante diferenciar entre cessação e aniquilação - o desejo que surge na mente para acabar com algo. Cessação é o fim natural de qualquer condição que surja. Então não é desejo! Não é algo que criamos na mente é o fim de algo que surgiu, a morte de algo que nasceu. Entretanto, cessação não é um Eu - não é questão de pensar "eu tenho que me livrar das coisas", mas sim permitir que o que quer que tenha surgido cesse. Para fazer isso, é preciso abandonar a cobiça - deixe ir. Isso não significa rejeitar ou jogar algo fora, e sim que abandonar significa abrir mão de algo. 
Então, quando cessar, você experimentará nirodha - cessação, vazio, desapego. Nirodha é outra palavra para Nibanna. Quando você permite que algo vá embora e cesse, então o que resta é a paz.
Você pode experimentar paz durante uma meditação. Quando você tiver permitido que o desejo acabe na sua mente, o que resta é a paz. A verdadeira paz, o Imortal. Quando você realmente souber o que isso seja, você perceberá o que seja nirodha sacca, a verdade da cessação, no qual não há um eu mas ainda há clareza e alerta. O real significado da felicidade é esta pacífica e transcendente consciência.
Se não permitirmos a cessação, então tendemos a viver a partir de suposições que fazemos sobre nós mesmos sem mesmo saber o que estamos fazendo. Às vezes, até que não comecemos a meditar, não percebemos como boa parte do medo e da falta de confiança surgem na infância. Eu me lembro que quando era criança, tive um grande amigo que parou de falar comigo e me rejeitou. Eu passei meses pertubado por isso. Isso deixou uma marca indelével na minha mente. Então percebi através da meditação o quanto um pequeno incidente como esse afetou meus futuros relacionamentos com os outros - Eu sempre tive um tremendo medo de rejeição. Eu nunca havia pensando nisso até que essa lembrança surgiu na minha consciência durante a meditação.
A mente racional sabe que é ridículo pensar nas tragédias da infância. Mas se elas permanecem surgindo na consciência quando você já está na meia idade, talvez elas estejam tentando dizer algo sobre opiniões formadas quando você era criança.
Quando você começa a ter lembranças ou medos obssessivos surgindo na meditação, em vezes de ficar frustrado ou preocupado, veja-os como algo a ser aceitado na consciência e então você poderá abrir mão deles. Você pode organizar sua vida diária de modo que nunca tenha que olhar essas coisas; então as condições para que elas surjam são minimas. Você pode se dedicar a várias causas importantes e se manter ocupado; e dessas ansiedades e medos nunca estará consciente - mas o que acontece quando você abre mão? O desejo ou obssessão se move - e se move para a cessação. Acabam. E então você tem o insight que há a cessação do desejo. Então o terceiro aspecto da Terceira Nobre Verdade é: a cessação foi realizada. 


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