Memórias de Ajahn Sumedho

O interessante e honesto relato de como foi o início de carreira monástica de Ajahn Sumedho, discípulo direto de Ajahn Chah.


Ajahn Sumedho esteve recentemente pela primeira vez no Brasil
Nota: Embora Ajahn Sumedho fosse muito humilde e aberto sobre suas experiências, dizia-se que Ajahn Chah já sabia de sua chegada muito antes de ele conhecer Ajahn Sumedho. Ajahn Chah realmente tinha uma cabana cuja porta tinha dois metros de altura (para que Ajahn Sumedho, que é muito alto, fosse capaz de entrar). Leigos perguntaram a Ajahn Chah por que construiu uma cabana com uma porta tão grande considerando que os tailandeses não são tão altos.


Foi-me dito que Ajahn Sumedho teve a parami de ser capaz de ajudar a espalhar os ensinamentos da tradição das florestas da Tailândia para o Ocidente. Não foi uma tarefa fácil inicialmente quando Ajahn Sumedho viajou para a Inglaterra. A tradição de  pedir esmolas e outros aspectos do Vinaya (conduta monástica) eram literalmente desconhecidas na Grã-Bretanha.
Ajahn Sumedho humildemente compartilhou que, inicialmente, ele tinha um monte de dúvidas e perguntas sobre sua prática- Ajahn Chah podia ler sua mente e pensamentos e ensinou-lhe com compaixão. Ajahn Chah sabia que por debaixo de toda a dúvida e a incerteza que preenchiam a mente de seu aluno, uma vez ele tendo entendido, Ajahn Sumedho teria a profunda sabedoria e capacidade de traduzir os ensinamentos do Inglês para uma linguagem que as pessoas do ocidente pudessem entender.
O bom professor tem a capacidade de conhecer o potencial escondido em seu aluno que está coberto sob toda aquela camada de poeira e sujeira. E o professor sabe que uma vez que essas camadas são descascadas, um diamante raro irá surgir. Mas descascar as camadas exige habilidades- conhecer os pensamentos do aluno, ver seu passado, perceber seu potencial, e ter a compaixão e paciência. Hoje, esses professores são extremamente raros.
E o aluno que tem a sorte de encontrar esse tipo de professor, pode não perceber logo de cara. Tudo o que ele pode ver, inicialmente, é a luta e a sensação de que ele só quer desistir da luta. Mas se ele fperseverar por um tempo suficiente, ele poderá finalmente perceber a profunda compaixão e esforço feitos pelo mestre. A gratidão sentida seria tão imensa que o aluno não hesitaria em dar a sua vida para seu professor ... da mesma forma como Ajahn Chah teria feito pelo seu mestre, Luang Phor Mun.

Ajahn Sumedho, ou Robert Jackman relembra de seu mestre e seus dias de iniciante.


Da Marinha para o monastério, de uma cidade americana para as florestas da Tailândia - a trajetória de vida  de Ajahn Sumedho é interessante, para dizer o mínimo.
Nascido Robert Jackman em Seattle, Washington em 1934, Ajahn Sumedho serviu quatro anos na Marinha dos EUA como médico. Ele também atuou em Sabah por dois anos no Corpo da Paz no início dos anos 60.
No entanto, apesar de ser um budista por mais de quatro décadas e um monge altamente conceituado, Ajahn Sumedho ainda parece um caucasiano em traje de monge. Claro, isso se deve por estamos tão familiarizados com a imagem tradicional dos monges como sendo asiáticos.


Do militarismo para o monasticismo. As diversas fases da vida de Ajahn Sumedho



Ajahn Sumedo ao lado de Ajahn Chah


Ajahn Sumedho acompanha Ajahn Chah na Inglaterra

Uma rara foto de Ajahn Sumedho e Ajahn Chah nas florestas da Tailândia

Na década de 70

Mesmo assim, Ajahn Sumedho recorda como era irritante no inicio da sua carreira ter que vestir os mantos. 
"Tinhamos que usar três mantos na ronda de esmola da manhã, e eu costumava reclamar como estava quente e úmido no momento em que retornavamos para o monastério", diz o afável abade do Monastério de Amaravati em Hertfordshire, Inglaterra.
"As vestes eram tingidas com um corante natural de jaca, e a mistura de suor e cheiros de jaca seca dava um cheiro terrível. A vida parecia centrar-se em mantos, em lavá-los e remendá-los. Eu protestava, pois queria meditar.
"Eu também me recusava a lavar os pés dos monges mais velhos. Como um americano, fui criado em ideais igualitários e lavar os pés de outro homem parecia ultrajante. Quando saí de Nongkhai para me juntar a Ajahn Chah, trinta monges corriam para lavar seus pés quando que ele voltava depois de ter caminhado descalço por arrozais e estradas de terra.
"Eu não. Eu pensava que era algo estúpido e que servia só para impulsionar o ego de Ajahn Chah", lembra ele.
A comida também não se adequava ao paladar de Ajahn Sumedho, mas monges, naquela época e agora, têm que comer o que os moradores oferecem.
"Os aldeões traziam caril de frango, caril de peixe e caril de sapo, e naqueles dias Ajahn Chah despejava tudo em uma grande bacia e misturava. Tinha um gosto horrível! As monjas traziam raízes e caules das selvas para comermos. Lembro-me de ter escrito para a minha mãe: 'Eu estou vivendo de folhas de árvores', e a preocupei por nada. "
Foi o sábio Ajahn Chah, que ajudou a remover as névoas da mente do jovem americano.
"Eu estava frustrado com os rigorosos códigos monásticos do Vinaya com base na estrutura hierárquica da antiguidade. Havia um lado egoísta em mim que queria viver uma vida monástica, mas pelos meus próprios termos.
"Minha reclamações foram me roendo por dentro - tudo era lamentação, reclamação, julgamentos, pensando que eu estava certo, tudo me aborrecia, eu queria sair.
"Eu percebi que mesmo quando eu levava uma vida confortável, eu já tinha o hábito de queixar-me e olhar a vida de forma crítica. Ajahn Chah me mostrou uma visão diferente, positiva. Em vez de ser auto-centrado com o 'livrar-se disso e obter mais daquilo', eu comecei a ver a vida como ela é, cheia de altos e baixos.
"Eu aprendi a acolher a oportunidade de comer alimentos que eu não gostava, ter contentamento em vestir rês mantos em um dia quente e e dar boas vindas ao desconforto. A vida é assim. Às vezes é boa, às vezes horrível e na maioria das vezes, não é nem de uma maneira ou de outra! "

O encontro com Ajahn Chah


Os religiosos estão convencidos de que eles vão encontrar o mestre que irá guiá-los quando for a hora certa. Da mesma forma, Ajahn Sumedho, que vivia sozinho depois de sua ordenação desejava fortemente encontrar um mestre.
"Quase imediatamente, o discípulo de Ajahn Chah, Phra Summai visitou Nongkhai [NT: onde Ajahn Sumedho residia]! Coincidência? Eu não sei, mas esta é a verdade. "
Phra Summai o levou para Wat Pah Pong, na província de Ubon, onde permaneceu sob a tutela de Ajahn Chah por dez anos. Novamente, era uma vida difícil. Ajahn Chah falava apenas Tailandês e Ajahn Sumedho apenas Inglês! Passaram-se anos até que ele aprendesse o tailandês.
"Ajahn Chah ensinava o Dhamma ao longo da noite, às vezes por quatro ou cinco horas, e eu não conseguia entender uma palavra! Eu estava entediado, cansado e chateado. Mas, ao final de um sermão, ele olhou para mim, sorriu e perguntou, através de um intérprete, como eu estava. Para minha surpresa, eu disse: 'Tudo bem' e de repente toda a minha frustração desapareceu!
"Esse foi o começo. Ele me empurrou para o limite para me fazer ver a realidade e o que eu estava fazendo. Eu confiei nele absolutamente, e logo minha aversão de  lavar seus pés se foi e agora haviam trinta e um monges que apressavam-se para lavar os pés quando ele voltava da esmola! "
Mesmo com a limitação da língua, o americano compreendia mais do que o que lhe era dito através de tradução.
"No começo nós não podiamos ter uma conversa mais profunda, mas ele sempre dizia 'Sumedho aprenda através da linguagem do Dhamma", e as pessoas perguntavam' Que língua é essa?
"Ele disse: 'Essa é a linguagem de viver e observar, aprender através do despertar e estar consciente, de ter um corpo humano e experimentar sentimentos que incluem a ganância, ódio e delírios, todas as condições humanas normais'."
Ajahn Sumedho começou a ver a uma realidade ainda maior. Uma vez ele foi convidado para dar uma palestra de Dhamma por três horas.
"Eu tinha que falar e ver as pessoas sairem ou deitarem no chão e dormirem na minha frente. No final de três horas, haviam apenas quatro educadas senhoras de idade!"
Foi quando ele percebeu Ajahn Chah queria que ele examinasse as várias formas de auto-consciência de presunção, vaidade, orgulho e até mesmo o desejo de agradar e receber a aprovação.
"Sou grato a Ajahn Chah pela sua compaixão.", Diz Ajahn Sumedho.

Por que o Budismo?

"O budismo oferece o caminho para a libertação. Eu era cristão, mas desiludi-me por não conseguir entender seus ensinamentos, nem encontrar alguém para me guiar. O Budismo não nos força a aceitar cegamente, mas para encontrar a verdade através de suas próprias experiências, e foi uma descoberta tão alegre ", ressalta Ajahn Sumedho.

Aqui estão algumas pérolas de sabedoria dele para os pais:

"Os pais têm idéias como seus filhos deveriam ser. Se seus filhos não cumprem as suas expectativas, os pais ficam irritados e frustrados. E então, eles não vão mais amá-los ", diz Ajahn Sumedho.
"O apego às crianças desta forma não permite-nos amá-los corretamente. Se você abandonar os apegos, você vai perceber uma forma natural de se relacionar e amar, e você se torna consciente delas como elas são, não como você as enxerga. É claro que estas duas coisas podem muitas vezes serem as mesmas."
Na felicidade, diz ele, "Por favor, perceba que" a felicidade para sempre " é uma impossibilidade! Mas também não é infelicidade! Quando criança, eu queria um brinquedo com tanta vontade que eu dizia para minha mãe que eu nunca iria querer outra coisa.
"Então minha mãe o comprava, e eu obtive felicidade com dele. . . por talvez cinco minutos, antes de eu começar a desejar outra coisa!

"Lembro-me disso claramente porque eu estava tão convencido que a felicidade permanente era minha uma vez eu tendo esse brinquedo."


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