A parceira espiritual de Ajahn Mun
Aproveitando esta romântica data para expor um tema nada comum no Budismo.
É fato que o Budismo não encoraja o amor romântico e nem a busca por satisfação em um relacionamento amoroso.
Pelo contrário, apesar do Budismo não incitar uma cruzada contra relacionamentos amorosos, é sabido que tudo isso está completamente impregnado por dukkha, e que portanto, deve ser descartado por aqueles que buscam a Iluminação.
Contudo, existe um lado desta questão muito pouco abordada nos ensinamentos budistas, trata-se da parceria espiritual, que nada mais é do que dois seres que juntos, ao longo de inúmeras vidas em um período de tempo imenso, mantém uma íntima e próxima conexão, compartilhando entre si sua sabedoria e ajudando-se mutualmente na busca pela Iluminação. Esta longa jornada acompanhada por um(a) parceiro(a) é evidente no caso de Siddhartha e Yasodharā, onde um ajudava o outro vida após vida, até que ele finalmente alcançou a Budeidade e ela, posteriormente, tornou-se uma Arahant.
Em um universo perdido em um remoto passado, Siddhartha era um asceta chamado Sumedha que se jogou aos pés do Buda Dīpankara e resolveu se tornar ele mesmo um Buda no futuro. Ao fazer este voto, uma jovem mulher ofereceu alegremente flores e incenso como forma de parabenizá-lo. Ele veementemente rejeitou a oferta, alegando que como um asceta errante, ele deveria viver só. O Buda Dīpankara então o alertou dizendo que todo aspirante a Budeidade possui uma parceira espiritual (pāda-paricārika), que era sua parceira inseparável na longa e árdua jornada para Nibbāna. Após este episódio, ao longo de incontáveis vidas, o Bodhisatta e sua parceira espiritual se esforçaram e se sacrificaram juntos para o benefício dos seres enquanto andavam no Caminho para a Iluminação.
O momento em que Sumedha se encontra com o Buda Dīpankara e sua futura esposa Yasodharā |
O famoso monge tailandês Ajahn Mun também possuia uma parceira espiritual, e esta história foi retirada da sua biografia, escrita por Ajahn Maha Bua.
Que todos os casais se respeitem, que estejam bem e livres de animosidades...
A parceira espiritual
Sentado em meditação após sua realização final,
Ācariya Mun lembrou-se de um
determinado assunto pessoal do seu passado - um para o qual ele não tinha dado muita atenção antes. Aqui eu gostaria de contar
uma história relevante do passado de Ācariya
Mun. Eu sinto que seria uma vergonha deixar de lado tal intrigante história,
especialmente por este tipo de relacionamento possa estar seguindo cada um de vocês como uma
sombra, mesmo que você não esteja ciente dele.
Se a história for considerada de qualquer forma
imprópria, por favor, culpe este autor por não ser devidamente circunspecto.
Como você já deve ter pensado, este é um assunto particular que foi relatado
por Ācariya Mun apenas ao seu
círculo interno de discípulos. Tentei suprimir o desejo de escrever sobre isso,
mas quanto mais eu tentei suprimi-lo, mais forte este impulso passou a ser.
Então eu finalmente cedi e, depois de escrevê-lo, o desejo gradualmente desapareceu.
Devo confessar que sou culpado por este texto aqui, mas espero que o leitor me
perdoe. Esperançosamente, fornecerá a todos, presos no perpétuo ciclo de
nascimento e morte, algo que vale a pena pensar.
Esta história diz respeito a antiga parceira
espiritual de Ācariya Mun.
Ācariya
Mun disse que em vidas anteriores ele e sua parceira espiritual tinham feito um
voto solene de trabalhar juntos para alcançar a Budeidade. Durante os anos anteriores
à sua realização final, ela ocasionalmente veio visitá-lo enquanto ele estava
em samādhi. Naquelas ocasiões,
ele dava a ela um breve discurso do Dhamma, então a mandava embora. Ela sempre
aparecia a ele como uma consciência desprovida de corpo. Ao contrário dos seres
da maior parte dos reinos da existência, ela não tinha forma discernível.
Quando ele perguntou sobre seu estado sem forma, ela respondeu que estava tão
preocupada com ele, que ainda não tinha decidido assumir uma existência
em qualquer reino. Ela temia que ele esquecesse sua relação – os mútuos votos para
atingir a Budeidade no futuro. Portanto, por preocupação, e senso de
desapontamento, sentiu-se compelida a vir vê-lo de tempos em tempos. Ācariya Mun disse-lhe então que ele
já tinha desistido daquele voto, resolvendo praticar para Nibbāna nesta vida.
Ele não queria nascer de novo, o que equivalia
a carregar toda a miséria que ele tinha sofrido em vidas passadas
indefinidamente para o futuro.
Embora ela nunca tivesse revelado seus
sentimentos, ficou preocupada com seu relacionamento, e seu desejo por ele
nunca diminuiu. Assim, de vez em quando ela lhe fazia uma visita. Mas nesta
ocasião, era Ācariya Mun que
pensava nela, preocupado com sua situação, pois eles passaram por tantas dificuldades
juntos em vidas anteriores. Contemplando este caso após sua realização,
ocorreu-lhe que ele gostaria de encontrá-la para que pudessem chegar a um novo
entendimento.
Ele queria explicar-lhe algumas coisas e,
assim, remover quaisquer dúvidas ou ansiedades em relação à sua antiga
parceria. Já era bem tarde da noite e logo após este pensamento lhe ocorrer,
sua parceira espiritual chegou em seu familiar estado sem forma.
Ācariya
Mun começou perguntando a ela sobre seu reino atual de existência. Ele queria
saber por que ela não tinha forma discernível como os seres de outros reinos
celestiais, e qual era exatamente sua condição atual.
O ser disforme respondeu que vivia em um pequeno
estado etéreo do vasto universo senciente. Ela reiterou que estava esperando
naquele reino por causa da ansiedade concernente a ele. Tornando-se consciente
de seu desejo de encontrá-la, ela veio a ele naquela noite.
Normalmente, não se atrevia a visitá-lo muitas
vezes. Embora sinceramente quisesse vê-lo, ela sempre se sentia tímida e hesitante.
Na verdade, suas visitas de nenhuma forma eram prejudiciais para qualquer um
deles, pois não era da natureza deles prejudicar ninguém. Mas ainda, seu afeto
de longa data por ele a fez hesitar em vir. Ācariya Mun também lhe disse que não era para que ela o visitasse
com demasiada frequência, pois, embora não tais visitas poderiam, no entanto,
tornar-se um impedimento emocional, retardando assim o seu progresso. O coração
muito sensível por natureza, poderia muito bem ser afetado por sutis apegos emocionais,
o que poderia interferir com a prática de meditação. Convencida de que isso era
verdade, ela raramente o visitava.
Ela estava ciente de que ele havia cortado sua conexão com o nascimento e morte, incluindo ex-amigos e parentes - e, claro, com a parceira espiritual que estava contando com ele - sem nenhum lamento persistente qualquer. Afinal, foi um evento que teve um efeito dramático em todos os sistemas cósmicos. Mas em vez de se alegrar, como teria feito no passado quando estavam juntos, desta vez ela se sentiu menosprezada, provocando uma reação pouco ortodoxa. Ela pensou em vez disso que ele estava sendo irresponsável, negligenciando consideração pela leal companheira espiritual com quem tinha compartilhado seu sofrimento, lutando junto com ele através de tantas vidas. Ela se sentia devastada agora, deixada sozinha em desgraça, suportando dukkha mas incapaz de desapegar-se. Ele já tinha transcendido dukkha, deixando-a para trás para suportar o fardo do sofrimento. Quanto mais ela pensou nisso, mais se sentiu como uma despojada de sabedoria que, no entanto, queria chegar até tocar a lua e as estrelas. No final, ela caiu de volta à terra agarrando sua miséria, incapaz de encontrar uma maneira de sair de tal dolorosa desgraça.
Ela estava ciente de que ele havia cortado sua conexão com o nascimento e morte, incluindo ex-amigos e parentes - e, claro, com a parceira espiritual que estava contando com ele - sem nenhum lamento persistente qualquer. Afinal, foi um evento que teve um efeito dramático em todos os sistemas cósmicos. Mas em vez de se alegrar, como teria feito no passado quando estavam juntos, desta vez ela se sentiu menosprezada, provocando uma reação pouco ortodoxa. Ela pensou em vez disso que ele estava sendo irresponsável, negligenciando consideração pela leal companheira espiritual com quem tinha compartilhado seu sofrimento, lutando junto com ele através de tantas vidas. Ela se sentia devastada agora, deixada sozinha em desgraça, suportando dukkha mas incapaz de desapegar-se. Ele já tinha transcendido dukkha, deixando-a para trás para suportar o fardo do sofrimento. Quanto mais ela pensou nisso, mais se sentiu como uma despojada de sabedoria que, no entanto, queria chegar até tocar a lua e as estrelas. No final, ela caiu de volta à terra agarrando sua miséria, incapaz de encontrar uma maneira de sair de tal dolorosa desgraça.
Desanimada, tão desafortunada que ela era, e
lutando para suportar sua miséria, ela pediu ajuda: "Estou
desesperadamente desapontada. Onde posso encontrar a felicidade? Quero alcançar
e tocar a lua e as estrelas no céu! É terrível, e também doloroso. Você
mesmo é como a lua e as estrelas no céu brilhando gloriosamente em todas as
direções. Tendo estabelecido você mesmo no Dhamma, sua existência nunca é
sombria, nunca triste. Você está tão completamente satisfeito e sua aura
irradia em todas as partes do universo. Se eu ainda for suficientemente
afortunada, por favor, mostre-me o caminho do Dhamma. Por favor ajude-me a obter
o brilhante e puro conhecimento da sabedoria, libertando-me rapidamente do
ciclo de nascimento e morte repetidos, para segui-lo na realização de Nibbāna e
assim não tenha que suportar esta agonia por muito mais tempo. Que este voto
seja suficientemente forte para produzir os resultados que meu coração deseja,
permitindo-me alcançar a graça da iluminação assim que possível."
Convulsionada com soluços de angústia, tal foi
o apelo fervoroso daquele ser disforme e triste enquanto expressava suas
esperanças de obter a Iluminação.
Ācariya
Mun respondeu que sua intenção ao desejar vê-la não era para lamentar o passado: "As pessoas que se
desejam bem não devem pensar dessa maneira. Você não praticou os quatro brahmaviharas: metta, karuna, mudita e upekkha?
O espírito sem forma respondeu: "Eu tenho
praticado por tanto tempo que eu não posso deixar de pensar sobre como eramos
próximos e compartilhamos juntos esta prática. Quando uma pessoa salva apenas a
si mesmo, como você fez, é bastante natural para aqueles deixados para trás ficarem
decepcionados. Estou na miséria porque fui abandonada sem qualquer preocupação
pelo meu bem-estar. Eu ainda não consigo ver qualquer possibilidade de aliviar
a minha dor."
Ele advertiu-a: "Seja praticando sozinho
ou em conjunto com outros, o bem é desenvolvido com o propósito de reduzir a
ansiedade e o sofrimento dentro de si mesmo, não para aumentá-los até que, estando
agitada, você fique chateada. Não é verdade?
"Sim, mas a tendência das pessoas com kilesas é de alguma forma confundir e não
saber qual caminho é o certo para uma segura e tranquila passagem. Não sabemos
se o que estamos fazendo é certo ou errado, ou se o resultado será felicidade
ou sofrimento. Conhecemos a dor em nossos corações, mas não conhecemos o
caminho para sair dela. Então somos deixados para chorar nossa desgraça, como
você me vê fazendo agora."
Ācariya
Mun disse que o espírito sem forma era inflexível em suas queixas sobre ele.
Ela o acusou de fugir sozinho, não mostrando piedade por ela - ela que por
tanto tempo lutou junto com ele para transcender dukkha. Ela reclamou que não
havia feito nenhum esforço para ajudá-la de modo que ela também pudesse obter
libertação do sofrimento.
Ele tentou consolá-la: "Quando duas
pessoas comem comida juntas na mesma mesa, inevitavelmente uma estará cheia
antes da outra. Não é possível que ambas estejam completamente saciadas no mesmo
momento. Tomemos o caso do Senhor Buda e sua ex-cônjuge, Yasodharā. Embora por muitas eras desenvolveram em conjunto a bondade de todos
os tipos, o Senhor Buda foi o primeiro a transcender dukkha, retornando então para ensinar a sua antiga cônjuge para que
mais tarde ela também cruzasse para a outra margem. Você deve considerar esta
lição com cuidado e aprender com ela, em vez de reclamar sobre a pessoa que está agora tentando o seu
melhor para encontrar uma maneira de lhe ajudar. Estou procurando sinceramente
por um meio para ajudá-la a atravessar, ainda assim você me acusa de ser cruel
e irresponsável. Tais pensamentos são muito inadequados. Eles apenas aumentarão
o desconforto para nós dois. Você deve mudar sua atitude, seguindo o exemplo da
ex-cônjuge do Buda - um excelente exemplo para todos, e uma fonte de origem da
verdadeira felicidade.
"A razão para te encontrar é para te
ajudar, não para te mandar embora. Sempre apoiei seu desenvolvimento no Dhamma.
Dizer que eu lhe abandonei e não mais cuido do seu bem-estar é
simplesmente inverdade. Meu conselho a você emana de um coração cuja bondade
amorosa e a compaixão são absolutamente puras. Se você seguir este conselho,
praticando-o ao melhor de sua capacidade, eu me regozijarei em seu progresso. E
se você receber resultados completamente satisfatórios, vou descansar
satisfeito em equanimidade.
"Nossa aspiração original para alcançar a
Budeidade foi feita para o expresso propósito de transcender o ciclo de
renascimento. Meu subsequente desejo de em vez disso, alcançar o status de savaka, era na verdade um desejo visando
o mesmo objetivo: um estado livre de kilesas
e asava, livre de todo dukkha,
a Felicidade Suprema, Nibbāna.
Como eu segui o caminho correto através de muitas vidas diferentes, incluindo o
meu status atual como um monge budista, eu sempre fiz o meu melhor para manter
contato contigo. Durante todo esse tempo, eu ensinei o melhor que pude com a
imensa compaixão amorosa que sinto por você. Nunca houve um momento em que eu
pensei em desamparar você para buscar apenas a minha própria salvação - meus
pensamentos estavam constantemente cheios de preocupação, cheios de simpatia
por você. Eu sempre esperei livrá-la da miséria do nascimento no samsara,
levando você na direção de Nibbāna.
"Sua reação anormal – sentindo-se ofendida
porque você supõe que eu abandonei sem qualquer preocupação para o seu
bem-estar – é de nenhum benefício para qualquer um de nós. De agora em diante,
você deve abster-se de tais pensamentos. Não permita que esses pensamentos
surjam e atropelem todo o seu coração, pois eles trarão apenas uma infindável
miséria em seu rastro - um resultado incompatível com meu objetivo, enquanto eu
me esforço com compaixão sincera para ajudá-la.
"Escapar sem me importar? Para onde fugi?
E com quem é que eu não me importo? Neste momento eu estou fazendo meu máximo
para dar-lhe toda a assistência possível. Tudo o que eu te ensinei nasce
unicamente de tal preocupação compassiva como eu estou mostrando-lhe agora. O
incentivo constante que forneci vem diretamente de um coração cheio de compaixão
que excede toda a água dos grandes oceanos, uma compaixão que derrama incansavelmente,
sem preocupação de que possa secar. Por favor, entenda que ajudar você sempre
foi minha intenção e aceite este ensinamento do Dhamma que eu ofereço. Se você
confiar em mim e praticar em conformidade, vai experimentar os frutos da
felicidade interior.
"Desde o dia que eu ordenei pela primeira
vez como um monge, tenho praticado sinceramente o caminho do Dhamma - nunca por
um momento eu pensei mal de alguém. Meu motivo em querer encontrar-me com você
não era enganá-la, ou prejudicá-la, mas para ajudá-la o melhor que posso com
todo o meu coração. Se você se recusa a confiar em mim, será difícil para você
encontrar alguém tão digno em que possa confiar. Você disse que estava ciente
do universo tremendo aquela noite. Esse tremor, você acha que foi causado pelo
"Dhamma de engano" que surgiu no mundo? É por isso que você está tão
hesitante sobre levar a sério o conselho que tão gentilmente lhe ofereci? Se
você compreender que o Dhamma é de fato o Dhamma da verdade, então deveria
considerar o tremor do universo naquela noite como um fator em sua fé, e ter conforto no fato de que
você ainda tem grande reserva de mérito. Você ainda é capaz de ouvir uma
exposição do Dhamma, mesmo que seu nascimento neste reino sem forma torne tal
coisa impossível. Eu considero minha boa fortuna ser capaz de te ensinar agora.
Você deve se sentir orgulhosa de sua própria sorte em ter alguém para vir e
salvá-la da tristeza desesperada que seu pensamento equivocado causou. Se puder
pensar positivamente, ficarei muito contente. Tal pensamento não permitirá que dukkha agarre-se a você tão firmemente
que não possa encontrar uma saída. Isso não permitirá que o Dhamma seja visto
como algo mundano, ou como algo ruim."
Ao ouvir Ācariya Mun apresentar estes argumentos fundamentados com tanta
compaixão amorosa, sua parceira espiritual sentia-se como se fosse banhada em
um fluxo de água celestial. Gradualmente ela recuperou sua compostura.
Encantada por seu discurso, sua mente tornou-se logo calma e seus modos,
respeitosos.
Quando terminou de falar, ela admitiu seu erro:
"Minha afeição e meu desesperado anseio por você causaram tantos
problemas. Eu Acreditava que você tinha me descartado, seguindo seu próprio
caminho, o que deixou sentindo-me negligenciada. Fiquei terrivelmente
desapontada. Eu não conseguia parar de pensar em quão inútil e rejeitada me
sentia, sem ninguém a quem recorrer. Mas agora que recebi a luz do Dhamma, meu
coração está calmo e contente. Posso agora abandonar o fardo da miséria que
tenho carregado, pois o seu Dhamma é como um néctar divino lavando meu coração,
purificando e tornando-o brilhante. Por favor, perdoe-me o que de errado eu fiz
para você através da minha ignorância. Estou
determinada a ser mais cuidadosa no futuro - nunca mais cometerei tal erro."
Quando terminou de falar, Ācariya Mun aconselhou-a a renascer em
um domínio mais apropriado da existência, dizendo-lhe para deixar de se
preocupar sobre o passado. Respeitosamente, ela prometeu seguir seu conselho,
então fez um pedido final: "Depois de ter renascido em um reino adequado,
posso vir e ouvir o seu conselho como antes? Por favor me dê sua bênção para
isto." Ao Ācariya Mun
conceder seu pedido, ela imediatamente desapareceu.
Com o espírito sem forma tendo partido, a citta
de Ācariya Mun retirou-se de samādhi. Eram quase cinco da manhã e estava
clareando. Ele não tinha descansado a noite inteira. Tendo sentado-se em samādhi por volta das vinte horas, ele
falara com o espírito sem forma por muitas horas durante a noite.
Não muito tempo depois, o mesmo espírito veio
visitá-lo novamente. Desta vez ela veio na forma corporal de um belo deva,
embora em deferência ao reverenciado monge que estava visitando, ela não estava
adornada no estilo decorativo habitual dos devas. Ao chegar, ela explicou-lhe
sua nova situação: "Depois de ouvir a sua explicação, que removeu todas as
minhas dúvidas e me aliviou da miséria que me atormentava, nasci no reino
celestial de Tāvatimsa – um mundo
cheio de prazeres deliciosos, dos quais agora desfruto como resultado da
bondade que realizamos juntos como seres humanos. Embora eu vivencie esta
agradável existência como consequência de minhas próprias boas ações, não posso
deixar de lembrar que você, venerável senhor, foi quem inicialmente me
incentivou a fazer o bem. Sozinha, eu nunca teria tido a sabedoria capaz de
realizar isso para minha completa satisfação. "Sentindo-me afortunada o
suficiente para renascer no esplendor celestial, estou totalmente satisfeita, e
não mais irritada ou ressentida. Enquanto refletia sobre a bondade imensa que
você sempre me mostrou, torna-se evidente para mim como é importante para nós
escolhermos sermos discretos em nossas vidas - em tudo, do nosso trabalho à nossa
comida, aos nossos amigos e companheiros, homens e mulheres. Essa discricionariedade
é crucial para uma existência suave e tranquila. Isto é especialmente
verdadeiro quando se escolhe um cônjuge para
depender-se, para melhor ou para pior. Escolher um esposo merece atenção
especial, pois compartilhamos tudo com essa pessoa – até mesmo a respiração.
Toda felicidade e toda tristeza ao longo do caminho necessariamente afetarão
ambas as partes.
"Aqueles que têm um bom parceiro, mesmo
que possam ser inadequados em termos de inteligência, temperamento ou
comportamento, ainda têm a felicidade de ter alguém que possa orientá-los e
incentivá-los ao lidar com todos os seus assuntos - tanto os seus assuntos
seculares, que promovem paz e estabilidade na família, e seus assuntos
espirituais, que nutrem o coração. Todos os outros assuntos se beneficiarão
também, para que eles não se sintam tateando cegamente no escuro, nunca certos quanto
a essas questões. Cada parceiro sendo uma boa pessoa, eles complementam um ao outro para criar um paraíso virtual dentro da
família, permitindo a todos permanecerem pacíficos, contentes e livres de
conflitos em todos os momentos. Sempre alegres, tal família não é perturbada
por explosões temperamentais.
Todos os membros contribuem para criar esta
atmosfera: cada um é calmo e composto, firmemente estabelecidos nos princípios
da razão - em vez de apenas fazerem o que quiserem, o que é contrário aos
próprios princípios morais que asseguram sua contínua paz e satisfação. Casais
casados trabalham juntos para construir seu próprio futuro. Juntos criam kamma
bom e mau. Eles criam felicidade e miséria, virtude e maldade, céu e inferno,
desde o início de seu relacionamento em diante, para o presente e para o futuro
- um continuum ininterrupto.
"Sendo abençoada com a chance de
acompanhá-lo através de muitas vidas, eu percebi isso na minha própria
situação. Por sua orientação, venerável senhor, fiz do bem uma parte integrante
do meu caráter.
Você sempre me conduziu com segurança em todos
os perigos, nunca me deixando desviar na direção do mal ou desgraça.
Consequentemente, eu me mantive uma boa pessoa durante todas aquelas vidas. Não
posso dizer o quão profundamente estou movida por toda a bondade que você me
mostrou. Agora percebo o dano causado por meus erros passados. Por favor,
perdoe minhas transgressões e que nenhuma animosidade persistente permaneça entre
nós."
Concordando com o pedido do deva, Ācariya Mun perdoou-a. Ele então
deu-lhe um ensinamento inspirador, encorajando-a a aperfeiçoar-se
espiritualmente.
Quando terminou, ela prestou seus respeitos,
moveu-se a uma curta distância, e flutuou graciosamente acima no céu.
Alguns dos comentários ressentidos que ela fez
quando ainda era um espírito sem forma eram muito estranhos para relatar aqui,
então eu sou incapaz de contar cada detalhe de sua conversa; e por isso peço
seu perdão. Não estou realmente tão satisfeito com o que foi escrito aqui, mas sinto
que, sem isso, uma história intrigante seria deixada de fora.
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