O método básico de meditação - Parte 3

A primeira e segunda parte descrevem os quatro primeiros estágios (tal como eu os classifico) da meditação. Estes são:

1. Atenção no momento presente.
2. Atenção silenciosa no momento presente.
3. Atenção silenciosa na respiração no momento presente.
4. Plena atenção ininterrupta na respiração.

Cada um desses estágios tem que estar bem desenvolvido antes de avançar para o estágio seguinte. Quando a pessoa tem pressa de passar por esses “estágios de desapego” os estados mais elevados se tornarão inalcançáveis. É como construir um edifício alto com fundações inadequadas. O primeiro andar é construído com rapidez e da mesma forma o segundo e o terceiro andares. E assim, quando o quarto andar é adicionado, a estrutura começa a balançar um pouco. E quando eles tentam adicionar o quinto andar, o edifício desaba. Portanto, por favor, gaste bastante tempo nesses primeiros quatro estágios iniciais, faça com que todos eles tenham firmeza e estabilidade, antes de prosseguir para o quinto estágio. Você deveria ser capaz de manter o quarto estágio, a “plena atenção ininterrupta na respiração”, atento a cada momento da respiração, sem um único intervalo, ao longo de duzentas ou trezentas respirações seguidas, com facilidade. Eu não estou dizendo para contar as respirações neste estágio, mas uma indicação do intervalo de tempo durante o qual alguém deveria permanecer com o estágio 4 antes de seguir adiante. Na meditação, a paciência é o caminho mais rápido!
O quinto estágio é chamado “plena atenção ininterrupta na respiração bela”. Freqüentemente, este estágio flui naturalmente do estágio anterior de forma contínua e discreta. À medida que a plena atenção permanece com facilidade e de forma contínua na experiência da respiração, sem nada que interrompa o fluxo uniforme da atenção, a respiração se acalma. E muda de uma respiração comum, grosseira, para uma “respiração bela” muito suave e pacífica. A mente reconhece essa respiração bela e se delicia com isso. A mente experimenta o aprofundamento do contentamento. Ela está feliz só em permanecer ali observando essa respiração bela. A mente não precisa ser forçada. Ela permanece com a respiração bela por si mesma. “Você” não faz nada. Se você tentar fazer algo neste estágio, irá perturbar todo o processo, o belo será perdido e como num lance infeliz num jogo de tabuleiro, você voltará atrás muitas jogadas. O “fazedor” tem que desaparecer neste estágio da meditação e só ficar o “sabedor” observando passivamente.
Um artifício que pode ajudar neste estágio é quebrar o silêncio interior apenas uma vez e gentilmente pensar consigo mesmo: “Calma”. Isso é tudo. Neste estágio da meditação, a mente em geral está tão sensível que apenas um pequeno empurrão como esse faz com que a mente siga a instrução de modo obediente. A respiração se acalma e a respiração bela emerge.
Quando você estiver passivamente observando a respiração bela a cada momento, a percepção de “inspiração” ou “expiração”, ou início, meio e fim da respiração, deveria ser abandonada. E a única coisa a ser percebida é essa experiência da respiração bela acontecendo neste momento. A mente já não se preocupa com que parte do ciclo da respiração ela se encontra, nem em qual parte do corpo isso está ocorrendo. Neste ponto estamos simplificando o objeto da meditação, a experiência da respiração neste momento, eliminando todos os detalhes desnecessários, indo além da dualidade “dentro” e “fora”, ficando apenas com a consciência da respiração bela que se mostra suave e contínua, quase sem nenhuma mudança.
Não faça absolutamente nada e veja como a respiração se mostra suave, bela e atemporal. Veja o quão tranqüila você pode deixar ela ficar. Demore-se em saborear a doçura da respiração bela, cada vez mais tranqüila, cada vez mais doce.
Agora, a respiração não desaparecerá quando “você” quiser que ela desapareça, mas quando houver tranqüilidade suficiente, restando apenas “o belo”. Um símile da literatura Inglesa poderá ajudar. No livro Alice no País das Maravilhas escrito por Lewis Carrol, Alice e a Rainha Branca tiveram uma visão de um gato sorridente aparecendo no céu. À medida que observavam, primeiro o rabo do gato desaparece, depois as patas seguidas pelo resto das pernas. Em breve, todo o corpo do gato desaparece por completo restando apenas a sua cabeça, ainda com um sorriso. E aí, a cabeça começa a se desvanecer a partir das orelhas e dos bigodes e em pouco tempo toda a cabeça do gato sorridente desaparece por completo – exceto o sorriso que ainda permanece no céu! Um sorriso sem os lábios para sorrir, mas um sorriso visível mesmo assim. Essa é uma analogia acurada para o processo de desapego que ocorre neste ponto na meditação. O gato sorridente equivale à respiração bela. O gato desvanecendo-se representa a respiração desaparecendo e o sorriso incorpóreo ainda visível no céu representa o puro objeto mental “belo”, claramente visível na mente.
Esse objeto mental puro é chamado de NIMITTA. “Nimitta” significa um “sinal” e neste caso um sinal mental. É um objeto real no cenário da mente, (citta), e quando aparece pela primeira vez é muito estranho. Não existe nada que possa ser comparado a ele. Entretanto, a atividade mental chamada “percepção” busca algo, nos bancos da memória das experiências de vida, nem que seja apenas um pouco parecido, para proporcionar uma descrição para a mente. Para muitos meditadores, esse “belo incorpóreo”, esse prazer mental, é percebido como uma luz bela. Não é uma luz. Os olhos estão cerrados e a consciência na visão já foi desligada faz muito tempo. Trata-se da consciência da mente libertada pela primeira vez do mundo dos cinco sentidos. É semelhante à lua cheia, neste caso representando a mente luminosa, que surge detrás das nuvens, neste caso representando o mundo dos cinco sentidos. É a mente se manifestando e não uma luz, mas para muitos parece uma luz, é percebido como uma luz porque essa descrição imperfeita é a melhor explicação que a percepção é capaz de oferecer.
Para outros meditadores, a percepção opta por descrever essa primeira aparição da consciência da mente como sensações físicas, tal como uma intensa tranqüilidade ou êxtase. Outra vez, a consciência no corpo, (aquilo que experimenta o prazer e a dor, o calor e o frio, e assim por diante), já faz tempo foi bloqueada e isso não é uma sensação física. Mas é “percebido” como algo semelhante ao prazer. Alguns vêm uma luz branca, alguns uma estrela dourada, alguns uma pérola azul ... o fato importante a saber é que todos estão descrevendo o mesmo fenômeno. Todos experimentam o mesmo puro objeto mental e esses detalhes diferentes são adicionados pelas distintas percepções.
Você pode identificar um nimitta através das 6 características seguintes: 1) Ele aparece apenas depois do quinto estágio da meditação, depois do meditador ter estado com a respiração bela por muito tempo; 2) Ele aparece quando a respiração desaparece; 3) Ele surge com a completa ausência dos cinco sentidos da visão, audição, olfato, paladar e toque; 4) Ele se manifesta apenas na mente silenciosa, quando o pensamento discursivo, (diálogo interior), estiver totalmente ausente; 5) É estranho, mas com poderosa atração; 6) É um objeto que possui beleza singela. Menciono essas características para que vocês possam distinguir os nimittas verdadeiros dos imaginários.
O sexto estágio, então, é chamado experimentando o nimitta belo. Ele é alcançado quando o desapego em relação ao corpo, ao pensamento e aos cinco sentidos, (incluindo a consciência da respiração), é tão completo que só resta o nimitta belo.
Algumas vezes, quando o nimitta surge pela primeira vez ele pode parecer “monótono”. Nesse ponto, o meditador deveria regressar imediatamente ao estágio anterior da meditação, da plena atenção ininterrupta na respiração bela. O meditador avançou para o nimitta demasiado cedo. Outras vezes o nimitta é brilhante mas instável, brilhando de forma intermitente como o facho de um farol. Outra vez, isso mostra que você abandonou a respiração bela demasiado cedo. O meditador precisa ser capaz de sustentar a atenção na respiração bela com tranqüilidade por muito, muito tempo antes da mente estar apta para manter a clara atenção num nimitta muitíssimo mais sutil. Portanto, treine a mente na respiração bela, treine-a com paciência e diligência, e quando chegar o momento de ir para o nimitta ele será luminoso, estável e fácil de ser mantido.
A principal razão pela qual o nimitta poderá parecer monótono é que a satisfação não é demasiado profunda. Você ainda está “desejando” algo. Em geral, você está desejando o nimitta luminoso ou desejando Jhana. Lembre-se, e isto é importante, Jhanas são estados de desapego, estados incríveis de profunda satisfação. Portanto, solte-se da mente faminta, desenvolva a satisfação pela respiração bela e o nimitta e Jhana acontecerão por si mesmos.
A principal razão para a instabilidade do nimitta é porque o “fazedor” não quer deixar de interferir. O “fazedor” é o controlador, o motorista no banco traseiro, sempre se intrometendo onde não é chamado e criando confusão. Esta meditação é um processo natural de trégua e requer que “você” saia da frente completamente. A meditação profunda só ocorre quando você realmente se desapega, e isso significa REALMENTE SE DESAPEGAR ao ponto do processo se tornar inacessível para o “fazedor”.
Um meio hábil para alcançar essa renúncia profunda é depositar de modo deliberado plena confiança no nimitta. Interrompa o silêncio só por um momento, de modo muito gentil, e sussurre, como se fosse dentro da sua mente, que você deposita plena confiança no nimitta, para que o “fazedor” renuncie a todo e qualquer controle e desapareça. A mente, representada neste caso pelo nimitta à sua frente, irá então assumir o processo enquanto você só observa tudo isso acontecendo.
Neste ponto, você não precisa fazer nada porque a intensa beleza do nimitta é mais do que suficiente para reter a atenção sem a sua ajuda. Cuidado para não fazer avaliações neste estágio. Questões como “O que é isso?”, “Isso é Jhana?”, “O que devo fazer a seguir?”, e assim por diante são todas o labor do “fazedor” tentando novamente se intrometer. Isso atrapalhará o processo. Você poderá avaliar tudo, uma vez que a jornada tenha sido concluída. Um bom cientista avalia o experimento apenas no final, quando todos os dados foram coletados. Portanto, agora, não faça avaliações ou tente chegar a conclusões. Não é necessário prestar atenção às bordas do nimitta “É redondo ou oval?”, “As bordas estão nítidas ou indistintas?” Tudo isso é desnecessário e só conduz a mais diversidade, mais dualidade de “interior” e “exterior”, e mais perturbação.
Deixe que a mente se incline para onde ela quiser, que em geral é na direção do centro do nimitta. O centro é onde se encontra a parte mais bela, onde a luz é mais brilhante e pura. Solte-se de tudo e desfrute apenas do processo, quando a atenção é atraída para o centro e ali se deposita ou quando a luz se expande por todos os lados envolvendo-o totalmente. Isto é, na verdade, uma única e a mesma experiência percebida sob distintos ângulos. Permita que a mente se funda com o êxtase. Deixe que o sétimo estágio desta meditação, Jhana, ocorra.
Há dois obstáculos comuns ao entrar em Jhana: exultação e temor. A exultação é ficar excitado. Se, neste ponto, a mente pensar “Uau, é isso aí!” então é muito improvável que Jhana ocorra. Essa reação, “Uau”, tem que ser subjugada dando lugar à absoluta passividade. Você pode deixar todos os “Uaus” para depois de emergir de Jhana, esse é o seu lugar adequado. O obstáculo mais provável, no entanto, é o temor. O medo surge com o reconhecimento do absoluto poder e prazer do Jhana, ou então do reconhecimento que para entrar completamente em Jhana, algo terá que ser deixado para trás – Você! O “fazedor” está em silêncio antes do Jhana, mas ainda está presente. Dentro do Jhana, o “fazedor” desaparece completamente. O “sabedor” ainda está operando, você tem plena consciência, mas todos os controles agora estão fora de alcance. Você não é capaz de formular nem um único pensamento, quanto mais tomar uma decisão. A volição está congelada, e isso parecerá assustador para o iniciante. Nunca antes, em toda a sua vida, você teve a experiência de estar tão desprovido de controle e ainda assim com tão plena consciência. O temor provém do medo de renunciar a algo tão fundamentalmente pessoal como a volição.
Esse temor pode ser superado através da confiança nos ensinamentos do Buda juntamente com o prazer tentador à frente, que pode ser visto como uma recompensa. O Buda com freqüência disse do prazer de Jhana que “esse tipo de prazer deve ser buscado, deve ser desenvolvido, deve ser cultivado e não deve ser temido” (MN 66 –Latukikopama Sutta). Portanto, antes que o temor surja, deposite a sua total confiança naquele prazer e mantenha a fé nos ensinamentos do Buda e no exemplo dos Nobres Discípulos. Confie no Dhamma e deixe que o Jhana o envolva calorosamente numa experiência prazerosa desprovida de esforço, tanto do corpo como do ego; experiência essa que será a mais profunda da sua vida. Tenha coragem de abandonar por completo o controle durante algum tempo e experimentar tudo isso por você mesmo.
Se for Jhana, terá uma duração longa. Não merece ser chamado de Jhana se durar só alguns poucos minutos. Em geral, os Jhanas mais elevados persistem por muitas horas. Uma vez dentro deles, não há escolha. Você emergirá do Jhana apenas quando a mente estiver pronta para sair, quando o “combustível” do desapego, que foi acumulado antes, tiver sido esgotado. Esses são estados de consciência com tanta paz e satisfação que é a sua própria natureza persistir por muito tempo. Uma outra característica é que Jhana ocorre apenas depois que o nimitta é discernido da forma descrita acima. Além disso, você precisa saber que enquanto estiver em Jhana será impossível sentir o corpo, (por exemplo: dores físicas), ouvir sons do exterior ou formular algum pensamento, nem mesmo pensamentos “bons”. Há apenas uma clara unicidade de percepção, uma experiência de prazer não dualista que permanece inalterada por muito tempo. Não é um transe, mas um estado elevado de consciência. Isso é dito para que você possa saber por si mesmo se o que você toma por Jhana é real ou imaginário.
Há muito mais para ser dito sobre meditação, mas aqui foi descrito apenas o método básicousando sete estágios que culminam com o Primeiro Jhana. Muito mais poderia ser dito acerca dos “cinco obstáculos” e como estes são superados, sobre o significado da atenção plena e como esta é empregada, sobre os Quatro Satipatthana e os Quatro Caminhos para o Sucesso, (Iddhipada), e sobre as Cinco Faculdades, (Indriya), e, é claro, sobre os Jhanas superiores. Tudo isso diz respeito a esta prática de meditação, mas tem de ser deixado para uma outra ocasião.
Para aqueles que erroneamente entendem tudo isto exclusivamente como uma “prática desamatha”, sem considerar o Insight, (Vipassana), por favor, tenham claro que isto não é nemVipassana e nem Samatha. Isto se chama “Bhavana”, o método ensinado pelo Buda e reiterado na Tradição de Florestas do Nordeste da Tailândia, da qual fazia parte o meu mestre, o Ven. Ajaan Chah. Freqüentemente, Ajaan Chah dizia que Samatha e Vipassana não podem ser separados, e que tampouco é possível desenvolver esse par separado do Entendimento Correto, Pensamento Correto, Conduta Moral Correta e assim por diante. De fato, para progredir nos sete estágios descritos acima, o meditador necessita ter uma compreensão e aceitação dos ensinamentos do Buda e uma conduta moral pura. O insight será necessário para alcançar cada um desses estágios, isto é, o insight do significado do desapego, da renúncia. Quanto mais esses estágios forem desenvolvidos, tão mais profundos serão os insights, e se você lograr alcançar os Jhanas, então isso mudará toda a sua compreensão. Pode-se dizer que o Insight gira ao redor de Jhana e que Jhana gira ao redor do Insight. Esse é o caminho para Nibbana, pois, o Buda disse, “Para aquele que se entrega a Jhana, quatro resultados podem ser esperados: entrar na correnteza, retornar uma vez, não retornar ou o status de arahant” (Pasadika Sutta – DN 29.25).


Fonte: Buddhist Society of Western Australia Newsletter, 1998

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