O ciclo do Samsara

Na postagem anterior, foram mostrados os trinta e um mundos da existência no Samsara, entretanto não forneci maiores detalhes sobre como se dá o renascimento nestes mundos. 
Neste texto explicarei com exemplos do dia-a-dia, o imenso ciclo de nascimentos e renascimentos do qual está sujeita uma mente ignorante, bem como uma descrição mais ampla dos seis principais mundos.
Antes de mais nada é preciso entender, o que é Samsara afinal? É um mundo? É um estado da mente? 
Muitas pessoas acreditam que que os mundos Samsáricos são locais distintos da Terra. Dimensões diferentes para onde nossa "alma" vai após a morte de acordo com o Kamma da pessoa, porém isso é uma visão completamente equivocada e sem fundamento na doutrina budista. 
Samsara nada mais é que um contínuo fluxo da mente para os mais diversos estados mentais. O que é associado à própria vida, com seu nascimento, envelhecimento e morte. 
Para melhor entendimento, é necessário explicar o conceito de renascimento (punarbhava). 
Quando o Buda fala sobre o renascimento em determinado reino, não está querendo dizer que a mente, a alma, a consciência ou seja lá o que for, migrou do corpo físico para uma outra dimensão, e sim se referindo aos sucessívos estados mentais onde o "eu" continuamente renasce e morre. Não está falando nada sobre a reencarnação. Isso é uma idea dualista que não encontra espaço no monismo budista. 
 Todos estes renascimentos e mortes ocorrem aqui e agora, neste momento. Sua mente nunca para em um estado, e, ao contrário do senso comum, nossa mente não é um continuum, e sim uma sucessão de diversos estados mentais que se manifestam de acordo com nossos pensamentos, ou seja, a mente morre de um estado mental para renascer em outro estado mental.   
Como pode ser visto, nada tem a ver com a morte física.  
Tendo exclarecido tal conceito, fica mais fácil entender os trinta e um mundos da existência, que são resumidos em seis principais. São eles o inferno, o mundo dos fantasmas famintos, o mundo dos animais, o mundo dos Asuras, o mundo dos humanos e o paraíso.    

Inferno  

É o mais baixo de todos os mundos. 
Um lugar de sofrimento, dor, desespero, calor e frio extremos. Os que resnascem neste mundo estão mergulhados em estados mentais compatíveis com tais características, ou seja, é alguém que está passando por sofrimento e dores intensas. 
A vida de alguém no inferno é marcada por toda a sorte de angústias, ódios, violências, lamentações, choros, mentiras, sentimento de vazio e muitas vezes por vontade de morrer. O equilíbrio e a racionalidade não existem.  Vivem apenas para o sofrimento, e por vezes, até o consideram como "normal".
O corpo e a mente ficam debilitados e doentes, manifestando as consequências deste estado mental. 
Um ser no inferno não tem a capacidade de se iluminar.


O inferno

Mundo dos fantasmas famintos (Petas)


Quando você começa a sofrer pelo desejo de ter, seja lá o que for (dinheiro, amigos, relacionamentos, status social, etc). você é como um fantasma cuja garganta é fina mas com uma enorme barriga. Ou seja, sua cobiça e ambição são do tamanho da sua barriga, mas os meios dos quais você dispõe são estreitos e limitados como sua garganta. Você “renasceu” no mundo dos fantasmas famintos. 
Um fantasma faminto só enxerga o objeto de sua ambição. Se ele quer dinheiro, está pensando em dinheiro e sofrendo por ele o tempo todo. Se quer amigos, vive pensando em como conseguí-los e sofre imensamente quando vê suas ambições frustradas pela realidade.
Assim também são aqueles que vivem a procura de relacionamentos sexuais e amorosos. 
Um fantasma faminto só enxerga pela frente aquilo que cobiça, e sua cobiça o faz sofrer intensamente, como se estivesse em um deserto, vagando à procura de uma gota de água. 
Um fantasma faminto não quer saber de Iluminação, só enxerga aquilo que sua cobiça doente lhe implanta na mente.



É nisso que você se torna quando está tomado pela ambição e cobiça

Mundo dos animais

Quando seu instinto de preservação e reprodução falam mais alto, você não mais consegue atinar adequadamente sobre as coisas. 
Você quer sexo, comida, bebida ou satisfazer suas necessidades fisiológicas imediatas. Você se torna irritado diante da fome e começa a buscar meios de se preservar dela. Você luta desesperadamente para se manter ileso e sobreviver. Você sente os apelos da natureza para que reproduza. Um belo corpo feminino ou masculino indica a seus instintos que há ali um espécime saudável capaz de reproduzir “crias” saudáveis e isso é o gatilho para que você fique louco ou louca de desejo sexual. Você “renasceu” no mundo dos animais. Nesse estado, sua verdadeira natureza está escondida pelos impulsos do organismo. Não há espaço em seu ser para buscar Iluminação pois ela parece-lhe muito pouco importante perante os apelos do corpo.


Um belo exemplo de um humano tornando-se um animal. 

Asuras

Quando você se torna competitivo, quer mostrar sua segurança, sua capacidade, se torna orgulhoso e olha seus concorrentes como obstáculos ou fica tomado pela raiva diante da oposição das pessoas, “renasceu” no mundo dos asuras, ou seres belicosos. Como “asura” você não conseguirá se iluminar pois está concentrado em atingir outros objetivos e mostrar aos “devas” que você pode se tornar como eles.

Seres que renascem como Asuras são competitivos e não medem esforços para atingir seus objetivos. Vivem em constante conflito e lutam dia após dia sem nenhuma trégua.

Humanos

Quando você está em equilíbrio, observando a natureza de sua própria mente, reconhecendo suas próprias limitações e aspirando transcendê-las sem ser tomado por sentimentos negativos ou prejudiciais, está em sua condição de “humano”. 
É muito difícil “renascer” como humano quando se está em trânsito pelos diversos “mundos” em que as visões e os sonhos alucinados se sucedem de forma frenética.
Somente no reino humano e no paraíso das Moradas Puras é possível alcançar a iluminação.

Renascer como humano é estar em equilíbrio. É viver o momento presente, sem devaneios e sem ser arrastado por emoções e instintos.  

Paraíso

Quando você está envolto em prazeres, parece que nenhum problema pode afetá-lo, o tempo parece parar e toda a tristeza é esquecida. Você acabou de “renascer” no mundo dos devas. O mundo dos devas é muito prazeroso, mas você não pode atingir a iluminação na maioria deles, pois as verdades fundamentais da existência estão esquecidas.
É um mundo até mesmo perigoso, pois aqueles que se apegam a estados mentais sutís e prazerosos, esquecem a sua condição humana e não desejam mais sair do paraíso. 


Representação dos devas no paraíso. Um estado mental prazeroso e pacífico, porém não é a libertação.

O objetivo maior do Budismo é o Nibanna, ou seja, o conhecimento direto da Verdade Suprema.
Um ser iluminado não renascerá mais nos diversos mundos do Samsara, pois ele jamais abandona o estado humano, uma vez que não é mais cegado pelas ilusões.
Assim o ciclo de renascimentos é quebrado e a mente iluminada jamais renascerá novamente.


Uma das descrições que o Buda deu sobre Nibanna












Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O que fazer quando se quebra um preceito?

Angulimala, a história de um assassino até a Iluminação

O estágio de Sotapanna - Como alguém pode saber se foi alcançado?