O método básico de meditação - Parte 2

Na primeira parte deste artigo tripartido, esbocei o objetivo desta meditação que é o silêncio sublime, a tranqüilidade e a clareza mental, repleto do mais profundo insight. Depois, indiquei o tema fundamental que corre como um fio contínuo ao longo de toda a meditação, que é o abandono dos fardos materiais e mentais. Por fim, na primeira parte descrevi de modo extenso a prática que conduz àquilo que chamo de primeiro estágio nesta meditação, e esse primeiro estágio é alcançado quando o meditador permanece confortavelmente no momento presente por períodos de tempo longos e ininterruptos. Tal como escrevi no artigo anterior “A realidade do agora é magnífica e impressionante ... Ao chegar até aqui, você realizou muito. Você abandonou o primeiro fardo que impede a meditação profunda.” Mas tendo alcançado tanto, você deveria ir mais além, até o ainda mais sublime e verdadeiro silêncio da mente.
Neste ponto é importante esclarecer a diferença entre a atenção silenciosa no presente momento e pensar sobre isso. Como ilustração tomemos o símile da partida de tênis na televisão. Ao assistir uma partida dessas, você poderá observar que, na verdade, há duas partidas ocorrendo simultaneamente – a partida que você vê na tela e a partida que você ouve descrita pelo comentarista. Realmente, se um Australiano estiver jogando contra um Neozelandês, então as observações do comentarista Australiano provavelmente serão muito distintas daquilo que realmente está ocorrendo! O comentário com freqüência é preconceituoso. Neste símile, observar a tela sem os comentários equivale à atenção silenciosa na meditação, prestar atenção aos comentários significa pensar sobre eles. Você compreenderá que está muito mais próximo da Verdade quando observa sem comentários, ao experimentar a atenção silenciosa no presente momento.
Em certas ocasiões, é através dos comentários internos que cremos conhecer o mundo. Na verdade, esse diálogo interior não conhece o mundo de jeito nenhum! É o diálogo interior que tece as delusões que causam o sofrimento. É o diálogo interior que faz com que sintamos raiva daqueles que convertemos em nossos inimigos e de ter apegos perigosos por aqueles que tornamos os nossos amados. O diálogo interior causa todos os problemas da vida. Ele constrói o temor e a culpa. Ele cria ansiedade e depressão. Ele constrói essas ilusões com a mesma certeza que um hábil comentarista de TV é capaz de manipular uma audiência, gerando raiva ou lágrimas. Portanto, se você está em busca da Verdade, deveria dar valor à atenção silenciosa, considerando-a, ao meditar, mais importante, mais do que qualquer pensamento.
É o alto valor atribuído aos próprios pensamentos o principal obstáculo para a atenção silenciosa. A remoção cuidadosa da importância que se dá aos próprios pensamentos e a compreensão do valor e veracidade da atenção silenciosa constituem o insight que faz com que este segundo estágio – atenção silenciosa no presente momento – seja possível.
Uma das maneiras eficientes para superar o diálogo interior é desenvolver uma atenção no presente momento tão refinada que, ao observar cada momento de forma tão próxima, simplesmente não haverá tempo para comentar acerca do que acabou de acontecer. Um pensamento, com freqüência, é uma opinião sobre algo que já aconteceu, por exemplo, “Isso foi bom”, “Isso foi desagradável”, “O que foi aquilo?” Todos esses comentários se referem a uma experiência que acabou de ocorrer. Se você estiver atento ao fazer um comentário sobre uma experiência que já passou significa que você não está dando atenção à experiência que acaba de chegar. Você está tratando das visitas antigas e negligenciando as novas visitas que estão chegando!
Imagine que a sua mente é o anfitrião de uma festa, recepcionando os convidados à medida que estes chegam à porta. Se um convidado entra e você o cumprimenta e começa a falar sobre este ou aquele assunto, então você não está cumprindo a sua responsabilidade de prestar atenção ao novo convidado que acabou de passar pela porta. Como um convidado passa pela porta a cada momento, tudo que você pode fazer é cumprimentá-lo e depois imediatamente passar para o próximo. Você não pode se ocupar nem mesmo na mais breve conversação com qualquer um dos convidados, visto que isso significaria que você iria perder o convidado seguinte. Na meditação, todas as experiências vêm para a mente através das portas dos meios dos sentidos, uma a uma em seqüência. Se você saudar uma experiência com atenção plena e aí ocupar-se numa conversa, você irá perder a próxima experiência que vem logo em seguida.
Quando você está perfeitamente no momento presente com cada experiência, com cada convidado que entra na sua mente, você simplesmente não tem espaço na mente para o diálogo interior. Você não pode conversar consigo mesmo porque está atento e totalmente ocupado com arecepção de cada um que chega na sua mente. Essa é a atenção no presente momento refinada até o ponto em que se torna a atenção silenciosa do presente em cada momento.
Você irá descobrir, ao desenvolver esse nível de silêncio interior, que isso é como abrir mão de mais um pesado fardo. É como se você tivesse carregado uma pesada mochila nas costas durante quarenta ou cinqüenta anos continuamente, e durante todo esse tempo você tivesse se arrastado exausto por muitos e muitos quilômetros. E agora você teve a coragem e a sabedoria de durante algum tempo tirar aquela mochila das costas e colocá-la no chão. Você irá se sentir tão imensamente aliviado, realmente leve, realmente livre, porque agora não mais existirá o pesado fardo daquele diálogo interior.
Um outro método útil para desenvolver a atenção silenciosa é reconhecer o espaço entre os pensamentos, os intervalos entre os diálogos interiores. Se você prestar bastante atenção, com aguçada atenção plena, verá quando um pensamento termina e antes que outro comece – ALI! Essa é a atenção silenciosa! Pode ser apenas um momento no início, mas se você identificar aquele silêncio passageiro irá se acostumar a isso, e à medida que for se acostumando, o silêncio irá durar mais tempo. Você irá começar a desfrutar do silêncio, uma vez que, finalmente, você o tenha encontrado, e é isso que faz com que ele cresça. Mas lembre-se, o silêncio é assustadiço. Se o silêncio ouvir você falar dele, sumirá imediatamente!
Seria maravilhoso para cada um de nós se pudéssemos abandonar o diálogo interior e permanecer com a atenção silenciosa no presente momento por tempo suficiente para compreender o quão delicioso é isso. O silêncio é muito mais fecundo para a sabedoria e claridade do que o pensamento. Só quando você compreende o quão mais prazeroso e valioso é estar em silêncio no seu íntimo é que o silêncio se torna mais atrativo e importante para você. O Silêncio Interior se torna aquilo pelo que a mente se inclinará. A mente buscará o silêncio constantemente, a ponto de só pensar se for realmente necessário, só se existir um bom motivo. Visto que, neste estágio, você se deu conta de que a maior parte do que pensamos é inútil, que não leva a nada, e só cria muitas dores de cabeça, com satisfação e facilidade você passará muito tempo no silêncio interior.
O segundo estágio desta meditação então, é a atenção silenciosa no presente momento. Você poderá passar a maior parte do seu tempo desenvolvendo só esses dois estágios, porque se você puder chegar até esse ponto, então de fato você terá avançado muito na sua meditação. Nesse estado de atenção silenciosa, no “exatamente agora”, você irá experimentar muita paz, alegria econseqüentemente sabedoria.
Se você quiser avançar mais, então ao invés de ficar com a atenção silenciosa em qualquer coisa que surja na mente, você escolhe apenas UMA COISA na qual aplicar a atenção silenciosa no presente momento. Essa UMA COISA pode ser a percepção da respiração, a idéia de amor bondade, (Metta), um círculo colorido visualizado na mente, (Kasina), ou outros pontos focais para a atenção menos comuns. Aqui iremos descrever a atenção silenciosa na respiração no presente momento.
Optar por fixar a atenção numa coisa só é abrir mão da diversidade e mover para o seu oposto, a unidade. À medida que a mente começar a se unificar, sustentando a atenção em apenas uma coisa, a experiência de paz, prazer e poder aumentam significativamente. Você descobre que a diversidade da consciência – tal como ter seis telefones sobre a mesa tocando ao mesmo tempo – é um fardo enorme, e ao abrir mão dessa diversidade –permitindo um telefone só, uma linha privativa somente sobre a mesa – é um alívio tamanho que gera prazer. O entendimento de que a diversidade é um fardo é crucial para capacitar uma pessoa para estabilizar a atenção na respiração.
Se você desenvolveu a atenção silenciosa no presente momento, cuidadosamente, por longos períodos de tempo, irá perceber que é muito fácil dirigir essa atenção para a respiração e seguí-la momento a momento sem interrupção. Isso porque os dois principais obstáculos para a meditação da respiração foram subjugados. O primeiro desses dois obstáculos é a tendência da mente de mover-se para o passado ou futuro, e o segundo é o diálogo interior. É por isso que ensino os dois estágios preliminares, da atenção no presente momento e da atenção silenciosa no presente momento, como preparação sólida para uma meditação da respiração mais profunda.
Frequentemente, acontece aos meditadores começarem a meditação da respiração com as suas mentes ainda saltando entre o passado e o futuro e com a atenção subjugada pelo diálogo interior. Sem uma preparação adequada, a meditação da respiração acaba sendo muito difícil, até mesmo impossível e eles desistem frustrados. Eles desistem porque não começaram no lugar certo. Eles não fizeram o trabalho preparatório antes de tomar a respiração como foco para a atenção. No entanto, se a mente estiver bem preparada depois de completar estes dois primeiros estágios, você perceberá que ao focar na respiração, você será capaz de sustentar a atenção com tranqüilidade. Se você encontrar dificuldade para manter a atenção na respiração, isso é um sinal de que você se precipitou nos dois primeiros estágios. Regresse aos exercícios preliminares! A paciência cuidadosa é o caminho mais rápido.
Quando você foca na respiração, você foca na experiência da respiração que está acontecendo agora. Você experimenta “aquilo que lhe diz o que a respiração está fazendo”, quer esta esteja indo para dentro, ou para fora, ou no meio desses dois. Alguns mestres dizem para observar a respiração na ponta do nariz, outros para observar no abdômen e outros para movê-la para cá e depois movê-la para lá. Eu descobri através da experiência que não é importante onde você observa a respiração. Na verdade, é melhor não localizar a respiração em nenhum lugar! Se você localizar a respiração na ponta do nariz, ela acabará se tornando atenção no nariz e não atenção na respiração, e se você localizá-la no abdômen, ela acabará se tornando atenção no abdômen. Pergunte a si mesmo neste exato momento “Eu estou inspirando ou expirando? Como sei isso? Ah!” Essa experiência lhe diz o que a respiração está fazendo, é nisso que você foca durante a meditação da respiração. Deixe de lado a preocupação com a localização dessa experiência; foque apenas na experiência em si.
Um obstáculo comum nesta etapa é a tendência para controlar a respiração, e isso faz com que a respiração fique desconfortável. Para superar esse obstáculo, imagine que você é apenas um passageiro num carro olhando pela janela para a sua respiração. Você não é o motorista, nem o “motorista no assento traseiro”, então pare de dar ordens, abandone-se e desfrute do passeio. Deixe que a respiração respire enquanto que você simplesmente observa sem interferir.
Quando você perceber que a inspiração está entrando, ou que a expiração está saindo, digamos por cem respirações seguidas, sem perder nenhuma, então você alcançou o que chamo deterceiro estágio nesta meditação, a atenção silenciosa na respiração no presente momento. E este, novamente, é mais pacífico e prazeroso do que o estágio anterior. Para ir mais fundo, você agora tem como objetivo a plena atenção ininterrupta na respiração.
Este quarto estágio, ou a plena atenção ininterrupta na respiração, ocorre quando a atenção se expande para abarcar cada único momento da respiração. Você percebe a inspiração no exato primeiro momento, quando a primeira sensação da inspiração surge. Depois você observa essas sensações se desenvolverem gradualmente ao longo de todo o percurso de uma inspiração, sem perder nem mesmo um momento da inspiração. Quando aquela inspiração termina, você percebe aquele momento, você vê na sua mente o último movimento da inspiração. Aí, no momento seguinte você vê a pausa entre as respirações, e depois muitas outras pausas até que a expiração tenha início. Você vê o primeiro momento da expiração e cada sensação subseqüente à medida que a expiração evolve, até que a expiração desapareça quando a sua função estiver terminada. Tudo isso ocorre em silêncio e exatamente no momento presente.
Você experimenta cada parte de cada inspiração e expiração, continuamente durante centenas de respirações seguidas. É por isso que este estágio é chamado “PLENA atenção ininterrupta na respiração.” Você não poderá chegar a este estágio através da força, através do agarramento ou apego. Você só poderá alcançar este grau de tranqüilidade desapegando-se de tudo em todo o universo, exceto dessa experiência silenciosa, momentânea, da respiração ocorrendo neste instante. “Você” não chega a esse estágio; a mente chega a esse estágio. A mente faz o trabalho por si mesma. A mente reconhece este estágio como um estado pleno de paz e prazer, estar só com a respiração. É nesse ponto que o “fazedor”, a parte principal do nosso ego, começa a desaparecer.
Você irá perceber que o progresso ocorre desprovido de esforço neste estágio da meditação. Você só tem que sair da frente, soltar-se de tudo e observar o processo acontecendo. A mente irá se inclinar automaticamente se você deixá-la ir na direção dessa unicidade muito simples, pacífica e deliciosa, deixando-a estar só com a respiração em cada um e em todos os momentos. Essa é a unificação da mente, a unificação no momento, a unificação no silêncio.
O quarto estágio é o que chamo de “trampolim” da meditação, porque a partir desse ponto é possível mergulhar nos estados bem-aventurados. Ao manter essa unicidade da atenção, simplesmente, sem interferência, a respiração começará a desaparecer. A respiração começa a se esvair à medida que a mente, no lugar da respiração, foca naquilo que se encontra no núcleo da experiência da respiração, que é a impressionante paz, liberdade e prazer.
Neste estágio eu uso o termo “a respiração bela”. Neste ponto a mente reconhece que essa respiração pacífica é extraordinariamente bela. Você está consciente dessa respiração bela de modo contínuo, um momento após o outro, sem interrupções na cadeia de experiências. Você só tem consciência da respiração bela, sem esforço e por muito tempo.
Agora você deixa a respiração desaparecer e o único que resta é “o belo”. O belo incorpóreo se torna o único objeto da mente. A mente agora toma o seu próprio objeto. Você agora não tem em absoluto consciência da respiração, do corpo, do pensamento, do som ou do mundo exterior. Toda a sua consciência estará no belo, paz, prazer, luz ou qualquer outra coisa que a sua percepção mais tarde venha a nomear. Você estará experimentando apenas o belo, de modo contínuo, sem esforço. Já faz muito tempo que você abandonou o diálogo interior, abandonou as descrições e avaliações. Neste ponto, a mente está tão calma que você será incapaz de qualquer diálogo.
Você estará experimentando apenas o primeiro desabrochar do prazer na mente. Esse prazer irá se desenvolver, crescer, se tornar muito firme e estável. E assim você entrará nos estados meditativos chamados Jhana. Mas isso será tratado na terceira parte desta palestra!

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