As Quatro Nobres Verdades

Muito se fala no Budismo sobre as quatro nobres verdades, mas percebo que muitas vezes elas são pouco compreendidas, o que é uma pena, pois é o ensinamento fundamental do Buda e o ponto central de toda a doutrina Budista. Sem elas, é impossível evoluir no entendimento e na prática correta do budismo. 
Não tenho a intenção de esmiuçar por completo o tema, e sim forcener informações gerais sobre ele. 
As quatro nobres verdades foram proferidas pela primeira pelo Buda logo após sua iluminação. Os ouvintes eram seus antigo companheiros de ascese. Eram pessoas de profunda vivência expitirual, mas que ainda assim faziam uso de algumas práticas erradas, justamente por ainda não conhecerem as verdades. Com o ensinamento do Buda, eles puderam evoluir em seu treinamento e obter a iluminação. 
Para o entendimento das Quatro Nobres Verdades é essencial que conheçamos quatro palavrinhas em Pali, que são: dukkha, samudaya, nirodha, magga. Em português elas significam respectivamente: sofrimento, a causa do sofrimento, o fim do sofrimento e o caminho que conduz ao fim do sofrimento.
Como já disse, absolutamente tudo no Budismo gira em torno destas verdades, qualquer coisa que esteja fora delas e seja dita como budista, descarte e não dê ouvidos, pois de budista não tem nada. 
A essas quatro palavras foram adicionadas outras quatro palavras (em Pali), para indicar a sua função. Isto é, o entendimento perfeito, o abandono completo, a realização perfeita e o desenvolvimento perfeito. Você poderá começar por qualquer uma delas. O entendimento perfeito é compreender a nossa situação, nosso problema, nossa insatisfação. As pessoas não compreendem isso. Elas tentam fazer de conta que isso não existe, tentam varrê-lo para debaixo do tapete. Elas dizem que isso não é verdade – a vida é agradável, bela, prazerosa, satisfatória. Não existe o sofrimento. Assim é como as pessoas enganam a si mesmas, escondem a verdade, fazem de conta que não sofrem. É por isso que elas continuam permanecendo no samsara. O Buda descreveu o sofrimento em poucas palavras e elas abrangem tudo aquilo que diz respeito ao sofrimento.
Antes de abandonar a vida em família para segui a vida santa, Siddharta Gautama viu e compreendeu as três marcas do sofrimento (envelhecimento, doença e morte). Muitas pessoas vivem uma vida inteira ignorando estas três marcas, ou seja, somente os outros morrem, somente os outros envelhecem e somente os outros ficam doentes. "Isso nunca acontecerá comigo", pensa. Entretanto, basta um fio de cabelo branco, por exemplo, para mostrar que o envelhecimento é inexorável para todos.  
Foi vendo e compreendendo estas coisas que fez Siddharta abandonar sua casa, ele queria dar um fim a elas, dar um fim definitivo a Dukkha, ele não sabia como, não sabia qual era o caminho, porém estava decidido a descobrir. Até então, as Quatro Nobres Verdades estavam ocultas para Siddharta.  
Após alcançar a iluminação, no seu primeiro sermão ele descreveu o sofrimento. Ele disse aos cinco bhikkhus, o nascimento é sofrimento. Sofrimento de quem? Da mãe, do bebê, da sociedade? Na verdade é sofrimento de todos. Todos os bebes nascem, não com um grande sorriso. Todos nascemos com um grande choro. Esse choro pode ser ouvido em todo o mundo. Esse choro continua até que a pessoa morra. Algumas vezes ele é ruidoso, outras queima internamente. Esse choro é um lamento por comida, roupas, relacionamentos amorosos, medicamentos, papéis, veículos, estradas, casas, dinheiro e tantos outros problemas. Todos nós temos esse lamento interior, a todo instante. Todos os problemas no mundo hoje e no futuro dependem do nascimento, desse lamento. Veja o que acontece no mundo. Tudo está poluído – ar, água, a população se expandindo, guerras em toda parte, todos os tipos de enfermidade. Pense em todas as coisas que experimentamos no dia de hoje devido ao nascimento de todos nós. Bilhões de pessoas nasceram e bilhões de problemas foram criados no mundo. Todos podem ouvir esse lamento. 


O primeiro discurso do Buda para seus companheiros de ascetismo dois meses após a iluminação

















Se você pensar nisso, dirá que não quer voltar a nascer. Esta vida é o bastante. A isto se denomina não obter aquilo que se deseja. Obter aquilo que não se deseja é sofrimento. Essas são as duas tragédias na nossa vida, ambas são sofrimento. O Buda explicou o que significa não obter o que se deseja. Você não consegue um emprego, não vive em uma boa vizinhança, não tem uma boa casa, bom carro, você quer obter essas coisas, mas não as tem, por isso você sofre. Essa é uma análise superficial. Até mesmo uma criança poderá compreendê-la. Dukkha está em toda parte e em todos os instante da nossa vida. 

Um significado mais profundo de não obter aquilo que se deseja é quando pessoas inteligentes, bem instruídas, adultas, ao pensar e ponderar sobre os problemas que enfrentaram na vida, concluem que não necessitam mais de outras vidas. Esta é o bastante. Eu enfrentei as piores situações possíveis. Não quero mais outras vidas. Esta é o bastante. Esse é um desejo bastante honesto. O Buda disse que somente formulando esse tipo de desejo não é possível interromper o ciclo. Você foi pego na armadilha. Você não é capaz de evitar o próximo nascimento. Porque? Através do desejo você não elimina as causas para o próximo nascimento. No momento em que você pensou nisso, os fundamentos para a próxima vida já foram estabelecidos. Quer você goste ou não, você foi pego. Você não consegue escapar. Esse é o sofrimento de não obter aquilo que se deseja e obter aquilo que não se deseja. Você não quer renascer, mas renascerá.
Você poderá se perguntar: "porque devo obter aquilo que não quero? Não é justo. Eu sempre acabo obtendo aquilo que não quero." Você criou isso. Você preparou a si mesmo. O próximo passo é que ao nascer estamos crescendo. Começamos com uma célula e terminamos com três trilhões de células. Pensamos que isso é o suficiente. Não queremos crescer mais. Mas isso é parte do trato. Você fez um acordo. Você está crescendo sem parar. Pergunte a uma criança a idade que ela tem. Ela pode ter quase cinco anos e ela dirá que tem cinco anos. Ela quer se tornar um adulto e possui essa ansiedade de crescer. Essa ansiedade não cessa quando a criança cresce e se torna um adulto. Uma vez que ele alcança uma certa idade, ele quer parar esse crescimento. Mas ele não consegue. Ele iniciou esse processo e este segue sem interrupção. O crescimento em si não é doloroso. O que acontece na mente quando pensamos sobre o crescimento é que causa a dor. Não é a aparência do envelhecimento que é dolorosa ou o processo de crescimento em si que é doloroso. Quando pensamos a seu respeito é que surge a dor. Porque? Porque o crescimento nos leva a algum lugar. Nos leva numa direção e começamos a antecipar aquilo que irá ocorrer. Essa é outra coisa que não queremos. Ficamos chocados – as pessoas morrem. Eu morrerei. Esse pensamento é tão chocante. Se existe qualquer coisa que possamos fazer para impedir isso, nós a faremos. As pessoas gastam fortunas para impedir a morte, o crescimento. Não somente cirurgias plásticas mas muitas outras coisas também.
Não há como fugir das três marcas da existência, tudo caminha para o fim, tudo é impermanente. É uma lei da natureza, não há como escapar dela. Isso gera insatisfação no nosso ego inflado, que não aceita que "alguém como eu simplesmente morra". 
Agora que sabemos que o sofrimento existe, podemos perguntar, qual é a causa? O Buda encontrou a causa. Esta é a Segunda Nobre Verdade. É o desejo, o apego. É através disso que todas as coisas são criadas. O desejo é o criador. Ele é poderoso, por criar tudo o que você quiser e gerar muitos renascimentos. 
Nesta vida, tudo que desfrutamos em nome da civilização é criação do nosso desejo. Gostamos do conforto, das experiências agradáveis que conduzem à busca, à cobiça. Quando sentimos uma sensação agradável nós a cobiçamos. Quando temos cobiça nos dedicamos à busca. Quanta investigação você fez a respeito de várias coisas? Isso é causado pelo desejo. Como resultado da busca você encontra muitas coisas e decide quais aceitar e quais rejeitar. Quando você obtém o que quer, se torna mesquinho e quer protegê-la. Nesta mesma vida, lutamos usando armas, palavras e força física para proteger aquilo que temos. Esse é um dos aspectos do desejo. Não quer dizer que não desfrutemos de certas coisas. Por exemplo, em nome da civilização desenvolvemos tantas coisas, todos os recursos modernos. Milhões de coisas foram criadas à nossa volta devido ao desejo. E no entanto, isso nunca diminuiu o nosso desejo, não trouxe um só momento de verdadeira paz e felicidade. Só trouxe paz e felicidade temporárias e superficiais.
Por outro lado, como conseqüência do desejo surgem quatro tipos de apego. Os prazeres sensuais criam o desejo de renascer aqui ou ali. Por um lado quando pensamos nos problemas desta vida, não queremos renascer. Mas por outro lado quando pensamos nos prazeres que desfrutamos na vida queremos repeti-los, renascer repetidamente. Você quer renascer com uma certa pessoa na próxima vida. Quantas vezes você formulou esse juramento? É por isso que o Buda disse que uma vez que você experimente algo, irá querer repeti-lo. Essa é a natureza do desejo. Mas esse não é o sofrimento que o desejo causa. O sofrimento causado pelo desejo é perder aquilo que você tem. O prazer que você desfruta não lhe é fiel. Esse prazer irá lhe dar as costas, irá abandoná-lo, pois ele é impermanente. Você quer agarrar esse prazer impermanente mas ele desaparece. Aquela pessoa com quem você quer ficar para sempre lhe trai e poderá se tornar sua inimiga. Quando você não quer algo, não consegue evitá-lo. Depois de algum tempo você volta a querer e então tudo recomeça. Portanto, não existe felicidade permanente em qualquer coisa que desfrutemos. O desejo nos engana e isso é um convite a que repitamos as situações prazerosas. Assim é o desejo pela sensualidade.
Em segundo lugar, nós temos certas opiniões, idéias. Elas nos conduzem à dor a ao sofrimento. Temos um desejo por renascimentos repetidos. Onde quer que nasçamos iremos enfrentar os mesmos problemas, a impermanência e conseqüentemente o sofrimento. 
Em seguida, a ignorância. Nos apegamos à nossa ignorância devido ao desejo. Isso nos traz muitos problemas, agora e no futuro. Quando dizemos que o desejo é a causa do sofrimento, as pessoas dizem que não. O desejo é a causa do prazer. O desejo é sempre desagradável, não bem vindo? Não. Existem certos tipos de desejo que queremos cultivar. Tal como o desejo de desenvolver o insight, de alcançar os jhanas, de nos livrarmos dos irritantes psíquicos, de sermos felizes todo o tempo. Esse tipo de desejo é chamado de desejo benéfico e é o desejo de ficar sem desejo. Queremos cultivar isso. Os desejos prejudiciais são a causa de toda a nossa dor e sofrimento. 
A terceira verdade é a verdade do fim do sofrimento. O fim do sofrimento necessariamente é o fim do desejo. Muito simples. Se o desejo é a causa do sofrimento, o fim do sofrimento é o fim do desejo. Isto é o que se chama Nibbana (Nirvana em Sânscrito). Ni significa ausência, ana significa desejo.
A Quarta Nobre Verdade é também conhecida por Nobre Caminho Óctuplo, que são oito passos que devem ser praticados rigorosamente. Eles são o caminho para Nibanna. 

Entendimento correto - É o entendimento perfeito das Quatro Nobres Verdades. O não entendimento delas é a ignorância,o desconhecimento da Verdade. Isso gera dukkha, ou seja, sofrimento. 
Pensamento correto - O pensamento de renúncia, generosidade, amor bondade e compaixão. A generosidade não significa dar coisas para outras pessoas. Esse é um significado superficial. Tem o significado de generosidade mas não o significado completo. O significado mais profundo é o abandono de todas as formas de apego a qualquer coisa que seja material ou imaterial. Abandonar todo tipo de apego, apagá-lo, removê-lo da sua mente para que nunca mais retorne, a isto se denomina a verdadeira generosidade. Isso nós podemos conseguir, mas não de maneira muito rápida ou fácil. Somente quando atingimos o último estágio de iluminação é que alcançamos esse tipo de generosidade. Cada coisa que façamos em nome da generosidade, por menor que seja, nos conduzem para aquela realização.
A generosidade também é desenvolvida pela meditação. O amor e bondade pode ser cultivado através da sincera amizade com alguém e todas as vezes que praticamso a compaixão, estamos desenvolvendo o pensamento correto da compaixão. 
Linguagem correta - Dizer a verdade, usar palavras que edificam, educam e consolam, nada de conversas fúteis, fofocas e calúnias. 
Ação correta - Viver e deixar viver, não matar. Permitir que os outros desfrutem daquilo que possuem, abster-se de roubar. Permitir que os outros preservem a sua honra, dignidade, respeito sem feri-los sexualmente ou observando o princípio de dignidade interiormente. As atividades sexuais dentro dos limites aceitáveis pela lei e pela sociedade são aceitas. O celibato não é mencionado no Nobre Caminho Óctuplo. Por que? Porque esse caminho pode ser praticado por qualquer pessoa. Pessoas leigas podem praticar esse caminho, não é algo exclusivo para monges.
Modo de vida correto - Participar de algum modo da compra e venda de armas, venenos, bebidas alcoólicas ou drogas, escravos e agir de forma desonesta nos negócios. De forma geral, o modo de vida correto visa uma vida vivida de maneira honesta e harmônica, nunca criando problemas ou prejudicando. 
Atenção plena correta - é a atenção plena em relação ao corpo, sensações, mente e objetos mentais. A concentração correta é definida como sendo os quatro jhanas (estados meditativos. Serão abordados em uma futura postagem).
Esforço correto - Praticar autodisciplina para obter a quietude e atenção da mente, de maneira a evitar estados de mente maléficos e desenvolver estados de mente sãos.
Concentração correta - Usando a correta concentração, a mente é capaz de atingir estados meditativos cada vez mais profundo e entrar em Nibanna. 

Este é o Nobre Caminho óctuplo, é o caminho para o fim de dukkha, através dele toda dor é extirpada. Não pense que seja algo para ficar sendo adorado em um pedestal ou para ser lembrado só de vez em quando, pelo contrário, é algo para ser praticado dia após dia, sempre. 
Resumindo:

As Quatro Nobres Verdades são: 
1- Há o sofrimento (dukkha)
2 - A causa do sofrimento é o desejo (samudaya)
3 - É possível dar um fim ao sofrimento (nirodha)
4 - O fim do sofrimento é o Nibbana, que é alcançado através do Nobre Caminho óctuplo (magga)

Este tema é tratado em inúmeros suttas, mas deixo para leitura quatro deles.

Dhammacakkapavattana Sutta - Colocando a roda do Dhamma em movimento
Saccavibhanga Sutta - A análise das verdades 
Satipatthana Sutta - Os fundamentos da atenção plena 
Esana Sutta - Buscas 

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